Quarta-feira, 24 Abril

«Ilo Ilo» por Hugo Gomes

Há mais por onde olhar em Ilo Ilo do que aquilo que a câmara de Anthony Chen nos possibilita. Desde o primeiro momento, a estreante longa-metragem do singapurense (vencedor da Câmara de Ouro do Festival de Cannes em 2013) aufere-nos um rigor em transmitir uma tensão insuportável entre as suas personagens, uma credibilidade de “afiar a faca” entre os membros desta realidade quotidiana, ao mesmo tempo que tece um híbrido entre o emocional e o nostálgico com o retrato social e financeiro de um país em vias de ser “estrangulado”.

Trata-se de uma rescrita visual através da memória, uma invocação dos sentimentos e afectos passados do autor, refletidos neste constante soneto. Ilo Ilo decorre nos final dos anos 90, com a crise financeira asiática a avançar com um caçador furtivo se tratasse. No centro deste “mundo suspenso em dominó” encontramos a família Lim que contrata a filipina Terry para ajudar na lida da casa. O impacto inicial entre a “estrangeira” e a respetiva família está longe de ser pacífica, em principal destaque com o filho do casal, um rebelde menino de dez anos chamado Jiale que promete fazer a vida negra à empregada. Contudo, a relação entre os dois acaba por melhorar, nascendo uma ligação especial.

Anthony Chen constrói um filme realista por meio de planos fechados, trémulos e sob o efeito da sugestão. Aos poucos vai tecendo uma veia sentimental que “dispara” no último ato. E mesmo que as consequências nos levem a certos lugares-comuns, Chen nunca baixa em momento algum a guarda e evita requisitar a fábula cinematográfica, mantendo-se e fiel ao realismo das imagens nem que com isso exponha a violência das mesmas. Ilo Ilo é um drama familiar que tem a virtude de se moldar, converter em algo mais o pressuposto, invocando “demónios” sem nunca os exorcizar. Assim sendo, para além do enredo principal, a fita embrulha-se num cenário de época enquanto revela à “luz do dia” os ecos de uma crise financeira e social, que condenou vidas e atrasou objetivos e carreiras promissoras. Uma estreia faustosa e comovente. Anthony Chen conseguiu captar a nossa atenção neste quadro híbrido de saudade e urgência – estamos interessados em conhecer o que a sua carreira nos reserva.

O melhor – uma estreia marcante nas longas-metragens, Anthony Chen conduz um filme perturbador sem inerentemente o ser.
O pior – atraso na estreia portuguesa. Onde é que as distribuidoras tinham a cabeça quando decidem estreá-lo no meio da silly season.


Hugo Gomes

Notícias