Sexta-feira, 19 Abril

«Guardians of the Galaxy» (Guardiões da Galáxia) por Paulo Portugal

Guardiões da Galáxia? Mais um filme Marvel?… Decididamente, essa não é trupe que tenhamos na memória. Talvez por isso, confesso ter entrado na sala sem quaisquer expetativas. Mas saído seriamente infetado pelo bug contagiante deste filme capaz de agradar mais ainda aos pais que levam os filhotes ao cinema e à pipoca. Ah, pois é…

Afinal de contas, temos mais uma fita de super-heróis em 3D para entreter a miudagem em agosto. Pelo menos era essa a leitura do cartaz anunciava alguns figurões de segundo plano dos cofres da propriedade da Marvel agora gerida pela Disney. Uma variante dos Vingadores? Porque não? Tudo faz sentido para criar ‘mais um’ blockbuster. Só que desta vez carregadinho de humor, ritmo e até o respeito do comic book e, claro, o espalhafato dos efeitos especiais. Caramba, estamos no verão, sendo ou não ‘silly season‘… E, calma, que a sequela segue lá para 2017.

Seja como for, a verdade é que não houve tempo para digerir o tal possível desconforto. Fiquei logo de sobreaviso na primeira cena quando um garoto de olhar infeliz escuta nos headphones do seu leitor de cassetes muito anos 80 o mítico slow que fez furor nos anos 70 I’m Not in Love, dos 10cc. Ah sim, com o filme em língua original, sem qualquer dobragem. Bastaram menos de 10 minutos para me assegurar que essa viagem seria bem diferente.

E bem diferente foi. Desde logo porque nos enviou para galáxias longe demais, mas sobretudo por nos conquistar com a mais improvável trupe de novos anti-heróis, perdão, super-heróis. Mas isso só não bastaria. O ouro de Guardiões da Galáxia é colhido pela na forma sábia, requintada e atrevida como o pouco conhecido realizador James Gunn (alguém se lembra do Super Quê?) se atira ao guião e o aprimora, em parceria com a estreante Nicole Pearlman, com tudo aquilo que nos fará mantem em permanente vibração. Já agora com a combinação perfeita de uma banda sonora gostosíssima. Já lá iremos.

Voltemos então à tocante cena inicial, apenas para esboçar o passado deste novo herói que dá pelo nome de Peter Quill, e, vá lá, que se auto-intitula, sem que saibamos porquê, Star Lord… Peter Quill o garoto do início, já se vê. Mas que manteve a cassete gravada com os melhores temas gravados com amor e carinho antes da mãe falecer. E, diga-se, ouvir Hooked on a Feeling, dos Blue Swede – sim, o mesmo tema que Tarantino imortalizou em Reservoir Dogs – faz-nos voar bem alto e ficar com a certeza do muito bom gosto reinante pela equipa de Gunn.

É a verdadeira fusão do action movie muito retro (cuidado Flash Gordon!) com o look e som muito seventies devidamente ligado à guitarra elétrica. São os solos espaciais da guitarra de Mick Ronson, em Moonage Daydream, de David Bowie, o slow hipnótico dos 10cc, I’m not in Love, em que apetece mesmo acrescentar: No-no, it’s becaause… Mas há muito mais: é fartar vilanagem. Já agora, só mais uma: a dupla Marvin Gaye e Tammi Terrell, Ain’t No Mountain High Enough… Gente, é algo de bradar.

Dir-se-ia um filme para adultos. Mas nada seria mais errado. Até porque a fórmula trata a garotada com respeito e, no processo, ousa a possibilidade o espanto, das crianças e dos paizinhos, com um filme retro, pejadinho de humor atrevido e, claro, essa banda sonora que nos acompanha nesta agradável trip espacial.

Depois temos o elenco escolhidinho a dedo, sem vedetas, mas com seus trunfos. Desde logo, Chris Pratt, como Peter Quill, o rapaz do início que é literalmente pescado pela nave tripulada por Michael Rooker e que o introduz à vidinha de caçador de prémios. No papel da dama de serviço está Zoe Saldana, desta vez a trocar a pele azul de Avatar pelo verde… Mas também devidamente dotada de… pelo na venta. O gangue completa-se com o brutamontes Dave Bautista, como Drax, uma espécie de sósia de Hulk, e ainda uma árvore gerada por computador onde se esconde Vin Diesel com a árdua tarefa de apenas ter de proferir uma frase durante todo o filme: I am Groot. Em todo o caso, o grande prémio chega sob a forma do endiabrado e rosnador guaxinim Rocket, a quem Bradley Cooper empresta a voz. E, sim, é a Rocket que se deve em grande parte a química desta pandilha que muito enerva a trupe de vilões do filme.

Apesar de tudo diga-se que para além da brincadeira existe aqui muito sério respeitinho pelo cinema feito comic book. Nota-se muito carinho no desenho das personagens convincentes, quase ao nível do clássico Watchmen. Pena é que nem sempre as cenas de efeitos especiais consigam acompanhar a verve do humor reinante. Percebe-se que há dinheiro para gastar ainda que não nos encha verdadeiramente o olho.

No fundo, o que se nota é a afinação da receita do blockbuster com a devida injeção do bom gosto ou piscadela ao espectador mais atento. Razões de sobra para não passar ao lado.

O melhor: O sentido de humor que recorta as personagens e o inesperado ritmo soul…
O pior: Estranha-se que num filme da Marvel os efeitos especiais seja o que menos convence.


Paulo Portugal

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