Sexta-feira, 19 Abril

«Ilo Ilo» por Duarte Mata

Desafio ao leitor: Quantos realizadores, naturais de Singapura, é capaz de enumerar em vinte segundos? Se o seu número ultrapassou os três, os nossos sinceros parabéns. Mas, se a frustração com que se deparou é a seus olhos tão inaceitável como a nossa sob o mesmo teste, não se preocupe. Conheça Anthony Chen.

Vencedor da Câmara de Ouro (prémio já atribuído a cineastas como Jim Jarmusch ou Steve McQueen) na edição de Cannes 2013, presidida por Steven Spielberg (ao qual este filme parece muito ligado, no que toca aos aspetos familiares), Ilo Ilo é baseado em experiências do próprio realizador que teve uma ama entre os seus 4 e 12 anos e que, ao invés de esquecê-la, optou por imortalizá-la numa obra cinematográfica.

Ilo Ilo fala de uma família de classe média que contrata uma empregada filipina (da província que dá o nome ao filme), Terry. Mas, cada um dos membros tem os seus problemas: o pai é um vendedor de óculos recentemente despedido, a mãe, grávida, está a passar por uma crise moral e o filho, Jiale, é um jovem pueril e desrespeitoso, se bem que inteligente, para todos os que lhe tentam impor qualquer tipo de autoridade. Terry e Jiale desenvolvem então, apesar de difícil no começo, uma relação de acatamento e amor filial.

Embora aborde os temas de divergências de classes e de etnias (com grande ênfase na crise mundial no final dos anos 90, onde a ação decorre), como algum do melhor cinema asiático (Ozu e Hou Hsiao-hsien à cabeça, ambos grandes influências no trabalho do cineasta), o filme de Chen fala da família e dos laços afectivos inquebráveis nela. Há uma igualdade entre todas as personagens e no seu desenvolvimento: Jiale sofre bullying na escola; Terry também tem o seu filho e procura novos empregos para regressar segura ao seu país natal; as aparências que a mãe insiste em manter e o conforto que encontra num conselheiro oportunista; e o rumo incerto da carreira do pai, o que levanta a questão sobre, afinal quem é o protagonista. E talvez a resposta seja a que Chen queira que pensemos: a família como uma só entidade.

A banda sonora é feita de sons do próprio ambiente e nada mais que isso (à excepção de um pequeno rádio usado por Terry), o que demonstra a confiança de Chen não só no seu elenco, mas também no espaço onde o expõem. É conferida alguma violência, seja com uma galinha decapitada a contorcer-se ou, a maior de todas, na cena em que Jiale é punido diante da escola, como exemplo aos restantes colegas. Os planos filmados em câmara tremida procuram ter mais do que uma personagem enquadrada, vendo-as, por vezes, por trás de janelas, televisores ou apenas ao longe, estabelecendo um elo de grande sensibilidade entre elas (de notar que estão mais frágeis quando são apresentadas isoladas e mais esperançosas no contrário) enquanto, simultaneamente, metamorfoseia a audiência em voyeur do passado do realizador.

No entanto, salvo uma ou outra cena, não há momentos de grande intensidade dramática, desenvolvendo-se cada uma com o igual interesse do espectador, não surgindo eventuais desafios reflexivos, o que não confere a experiência inesquecível de que se esteja à espera, mas antes um estado inerte. Com isto não se pretende dizer desinteressante ou enfadonho, mas apenas curioso com a história e nada mais.

Quanto ao enredo principal, se parece similar a outros filmes, certamente que já encontrámos dezenas de variações do mesmo. Mas com esta maturidade para uma primeira longa-metragem? Torcemos o nariz.

O melhor: A maturidade notável do trabalho de Chen.
O pior: O desenvolvimento da relação Jaile / Terry com uma certa impressão de déjà vu no primeiro terço.


Duarte Mata

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