Terça-feira, 16 Abril

«The Immigrant» (A Emigrante) por Duarte Mata

Desde o seu filme de estreia (o promissor Little Odessa, Leão de Prata em Veneza) que Gray tem bem moldado o seu cinema: o amor fraternal, o filho pródigo, a impossibilidade de sair da família, uma morte que leva à expiação do protagonista, etc., tudo temas da carreira deste realizador, partilhado com alguns dos seus mentores (particularmente Coppola). Neste filme, estas temáticas são retomados, mas, ao contrário dos esforços anteriores do cineasta que se passavam numa Nova Iorque moderna, maioritariamente entre polícias e mafiosos, este decorre em Ellis Island, nos anos 20 (pormenor ligeiramente auto-biográfico, uma vez que o realizador é de ascendência russa, onde os avós chegaram na mesma década), com um olhar sobre marginais, imigrantes e prostitutas.

A Imigrante é um drama sangrento, passado em 1921, sobre a chegada de duas irmãs polacas à América, Ewa (Marion Cotillard, num daqueles desempenhos que só não foi premiado em Cannes porque não lembrou ao diabo) e Magda (Angela Sarafyan) com esperanças e sonhos de construírem uma vida digna na casa dos seus tios. Sucede que a segunda é tísica e que a primeira está em risco de ser deportada. Ewa conhece então Bruno (o muito versátil Joaquin Phoenix), homem do teatro, irascível, que a ingressará num espectáculo de baixa moral e levá-la-á a descobrir o mundo da prostituição (a actividade mostra-se necessária para salvar Magda). Até à chegada de Orlando (Jeremy Renner), mágico e cavalheiro redentor, que tentará remi-la do cativeiro físico e metafísico em que vive obstruída.

A principal característica (se é estorvo ou qualidade, cada um o seu cinema…) que distingue esta obra de outras deste cineasta, é o ritmo calmo com que se desenvolve, o que lhe confere uma certa graciosidade e delicadeza. A segunda é a magnífica fotografia de Darius Khondji (Meia Noite em Paris; Amour) em tons de sépia, que remetem para a saga O Padrinho, sobretudo a segunda parte (onde o tema da imigração está também presente). E, finalmente, a proximidade que esta película adquire com um género que sempre foi discutível quanto à qualidade: o melodrama, pelo qual Gray nutre uma enorme admiração.

Cotillard carrega o filme aos seus ombros e leva-o para rumo certo, faz-nos esquecer que é uma actriz (o que, dada a beleza e a familiaridade que o público tem com o seu rosto é um desafio) e Phoenix e Renner são credíveis nos seus desempenhos de primos antagónicos, um triângulo amoroso que um argumento co-escrito por Richard Menello (falecido o ano passado) consegue desenvolver corretamente. Nada, dos atores ao material que lhes foi atribuído, da polícia corrupta aos criminosos com, afinal, uma faceta humana (outro artefato de Gray), parece forçado ou desentendido. E o plano com que o filme encerra é verdadeiramente belíssimo.

Os defeitos recaem em alguns planos dúcteis e escusados (por vezes, é adoptada uma postura campo/ contracampo, mera exposição cinematográfica, que dá a entender que as filmagens decorriam em cima do joelho, para cumprir qualquer horário de produção) e a música nas cenas mais dramáticas, maioritariamente dispensável. Mas, mais uma vez, o realizador pretende fazer um bom filme pelos moldes clássicos, o que torna as suas imperfeições perdoáveis. Para além disso, é graças ao grande plano, quase permanente, que este drama parece tão íntimo e funcionável.

Quanto a cinefilia, para além do já referido Padrinho II, encontram-se fortes semelhanças com As Noites de Cabíria, de Fellini (onde a protagonista é também uma prostituta e um ilusionista desempenha um papel fulcral na história da mesma), ecos de Elia Kazan e uma perseguição nos esgotos que deve tudo a O Terceiro Homem, de Carol Reed.

Poderá não ser uma obra-prima. Mas, juntamente com Two Lovers é o filme mais belo (e com isto não queremos dizer “o melhor” ou “o pior”) de um cineasta consciente. De si e do seu cinema. E isso, por si só, já é muita coisa.

O melhor: A fotografia e o desempenho de Cotillard.
O pior: O formalismo pouco original que o filme, por vezes, se sustenta.

Duarte Mata

Notícias