Sábado, 20 Abril

«Rhino Season» (A Temporada do Rinoceronte) por Nuno Miguel Pereira

O cinema iraniano é caracterizado pela sua intensidade, pela ação veemente e onde os objetivos, assim como a crítica que exerce (política e social), serem sempre implícitas.  A Separação (2011) é um dos exemplos mais recentes desse cinema.

Pegando no docudrama de Bahman Ghobadi também é possível vislumbrar essas características, ainda que acrescentando um forte caráter simbólico como em As Tartarugas Também Voam (2004) – título muito apropriando para uma das cenas da presente obra.

Exilado desde 2009, Bahman Ghobadi julgou que estaria na hora de se “ausentar” do seu estilo, experimentar, fugir da sua zona de conforto e transformar uma narrativa mais direta, tipicamente iraniana, em algo maís onírico, mais poético. Um desvio de 180º naquilo que o tornou conhecido e, por isso, um risco.

Para essa nova estrutura, pegou na história do poeta Curdo conhecido pelo pseudónimo de Sadegh Kamagar. O protagonista Sahel – representado por Caner Cindoruk e Behrouz Vossoughi (Sahel mais jovem e mais recente, respetivamente )- foi colocado na prisão, no final da década de 70, pelo regime iraniano por, supostamente, escrever poesia antirregime, sendo condenado a 30 anos de prisão. Quando finalmente é libertado – após longos anos de abuso físico e psicológico -, descobre que foi dito à sua esposa, Mina (Monica Belluci), que ele tinha morrido.

A obra pode facilmente ser vista como uma metáfora para o que se passa há já largos anos na sociedade iraniana, com toda a repressão existente e incalculável – durante a década de 80 milhares de iranianos foram executados sumariamente por serem antirregime, ainda que não se consiga quantificar quantos. Ainda assim, apesar da crítica vincada, a narrativa, maioritariamente imagética, não é direta, deambulando entre o universo onírico dos sonhos – altura em que Ghobadi usa o simbolismo para fazer valer a sua análise – e uma realidade parca em palavras, contada numa estrutura de flashbacks, por vezes difícil de acompanhar.

Por outro lado, em partes, Ghobadi parece estar a experimentar planos, que nem sempre resultam. Apesar disso, a cinematografia, a cargo de Turaj Aslani, é exuberante e expressiva, sendo utilizada para contar uma história representada através do desespero de 30 anos, a quem tudo foi tirado.

No entanto, apesar do aspeto contemplativo ser interessante e a crítica ao regime ser inerente, Bahman Ghobadi criou uma estrutura de narrativa com a qual não se sente tão confortável, acabando por prejudicar a coerência da mensagem que quereria passar. O recurso ao simbolismo (inclusive aos seus filmes passados) é interessante sob o ponto de vista psicológico, procurando incorporar a própria obra de Sadegh Kamagar para contar a sua própria história, pois como já foi referido, o próprio realizador teve muitos problemas com o regime, notando-se uma tentativa de marcar uma posição enquanto artista que se sente perseguido no seu próprio país.

No final, A Temporada do Rinoceronte é um filme diferente do que se podia perspetivar, com uma surpreendente Monica Bellucci a brilhar em grande plano, numa personagem que pedia sofrimento e contenção emocional, numa mistura explosiva que resultou numa das melhores prestações da atriz dos últimos anos. A cinematografia é outro dos pontos fortes, numa história que, recorrendo a flashbacks, por vezes parece desligada em termos da narrativa. Ainda assim, não deixa de ter a componente de crítica política, só que mais dissimulada.

O Melhor: A cinematografia e Monica Belluci.
O Pior: Sentiu-se que Bahman Ghobadi estava a experimentar em terrenos que ainda não se sente confortável.


Nuno Miguel Pereira

Notícias