Demorou-me mais de uma semana para escrever sobre Under the Skin, e ainda assim creio não ter passado tempo suficiente.

Por falar em tempo, talvez seja bom começar por dizer Jonathan Glazer sempre foi um cineasta à frente do seu tempo, mesmo antes de fazer… cinema – é só olhar para a sua filmografia de videoclips para artistas como UNKLE e Massive Attack. Em boa hora, como cineasta nato e único que é, fez a sua estreia nas longas-metragens com Sexy Beast.

Com o anterior Birth, o realizador já tinha recebido a sua quota de criticismos e de estar a dar passos maiores que a perna, enquanto recebia já as primeiras comparações com Stanley Kubrick (aí com o escandâlo da pedofilia a abafar toda uma sensibilidade e romantismo in extremis que o filme apresentava, ainda hoje um dos filmes mais injustamente abafados – e uma das obras-primas por celebrar – da década passada…) Mas é com este Debaixo da Pele que as comparações lhe serão impossíveis de escapar, começando com uma abertura a fazer lembrar o último ato de “2001” capaz de calar todos e de deixar impacientes os espectadores que se sentiram desconfortáveis com o minuto e meio de escuridão de Ninfomaníaca, e que muito provavelmente abandonarão a sala a meio da sessão.

Depois disto, Glazer é fiel a si próprio, vai descartando comparações e confundindo expectativas, enquanto parte em busca de todo um novo paradigma visual, numa das obras mais originais que o cinema contemporâneo deu a conhecer. O que contar sobre ela? Talvez dizer apenas que a estrela Scarlett Johanson não é de longe quem aparenta ser. Bela e mortífera, um anjo da Morte enviado para investigar-nos, procedendo a “scripts” que podiam ser retirados de um filme de assassinos em serie de domingo à noite, mas que com a sua repetição, e apercebendo-nos no final do que realmente se está a passar sem nos ser dito, percebemos que servem de facto como base de estudo à nossa protagonista. Para relações humanas, mas sem os preconceitos que nos dominam e que nos foram instruídos. Faz aí sentido que a nossa loira-tornada-morena se interesse por um jovem desfigurado, que 95% da audiência terá medo de olhar na sua cara, quanto mais iniciar um diálogo sensual.

É com todas as peças do puzzle montadas – e não, o terceiro ato não é um engodo existencialista, mas sim a progressão natural que dá um sentido terreno a toda a película! – que todo o filme adquire um tom extremamente humanista, mesmo sendo totalmente alienígena – de uma capacidade contemplativa sobre a raça humana que volta a lembrar-nos, enquanto seres humanos em busca constante de referências passadas para o que visionamos, mais uma vez Kubrick, é certo, mas desta vez com uma vertente bem mais desregulada (embora igualmente perfecionista) na sua contemplação alienada. Aí, pesa também o trabalho de banda sonora vibrante e inesquecível da estreante Mica Levi, aqui a operar sobre violinos de maneiras muito pouco clássicas/rígidas.

E claro, Scarlett Johanson merece reconhecimento na sua performance apropriadamente alienada. Mas a grande estrela é de facto Glazer, que no espaço de apenas duas longas-metragens (não querendo menosprezar o seu restante histórico) cimenta ser um dos novos maiores cineastas vivos.