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«3x3D» por Hugo Gomes

No âmbito do programa Guimarães 2012: Capital Europeia da Cultura, o encontro de inúmeros artistas das diferentes áreas da Arte (Cinema, Literatura, Musica, Arquitetura, etc) originou diversos projetos que têm se aventurado pelo resto do país, integrando festivais e outros eventos nas respetivas áreas. No Cinema foram várias as obras que nasceram deste projecto multicultural, mas acima de tudo confundível para com a cidade “berço” de Portugal, Guimarães. O convite de variados autores em filmar neste cenário tão antigo do nosso património tem sido uma das propostas mais empolgantes dos últimos anos no panorama cinematográfico nacional.

Um desses “filhos” foi 3X3D, um ambicioso e ao mesmo tempo espontâneo projeto que funde as impressões digitais de três realizadores diferentes, distinguidos por estilos variados. Para contrariar a ideia de que a tecnologia 3D é limitada à comercialidade dos produtos cinematográficos ou ligado às grandes produções hollywoodescas, 3X3D transforma essa “maldita plataforma”, segundo vários puristas, num alicerce para as ideias de foro artístico destes mesmos autores. Assim sendo, temos Peter Greenaway, Edgar Pêra (o pioneiro deste projeto) e Jean-Luc Godard a “remexerem” em memórias. O primeiro na memória histórica, o segundo na memória do espectador (atravessando também a do cinema) e por último a memória das imagens com a figura ímpar da Nouvelle Vague a desconstruir e e construir a sua linguagem fílmica.

3X3D abre com “Just in Time” de Greenaway, uma espécie de atração de feira onde o espectador é arrebatado por uma excentricidade visual, simultaneamente cuidada e rica no teor histórico. É o legado da cidade Guimarães imprensa nos frames deste tremendo traveling pelos corredores do Mosteiro local ao encontro das marcas dos séculos e em embate com os protagonistas dessas mesmas referências. Uma experiência visual única que funciona na perfeição sob o formato de 3D e que arrisco a aclamar como a melhor “coisa” vista neste formato numa sala de cinema. Se 3X3D terminasse no preciso momento em que este segmento encerra, uma bela curta sensorial se estenderia nos nossos pés.

Passamos para o segundo capitulo, Cinesapiens, de Edgar Pêra, cujo estilo visual do realizador de O Barão é facilmente identificável, ou seja, podemos contar com o loop de sobreposição de imagens. Neste segmento o espectador é confrontado com ele próprio, uma pequena remessa da História do Cinema narrada e protagonizada pelo sempre possante Nuno Melo e, voilá, dá-se de seguida um espectáculo circense no qual o autor dispara para todos os alvos. Uma pitada de H.P. Lovecraft aqui, o teor “trash” ali e todo um despreocupado espectáculo sem receio algum de se tornar ridículo. É diversão mental, é o torcer de uma arte até transformá-la num mundo à parte. Se o objetivo de Edgar Pêra era mesmo provocar, então foi cumprido de forma plena e fértil nas interpretações individuais. Deslocado, é o melhor elogio deste segmento.

Para finalizar, dá-se o tempo de antena a Jean-Luc Godard, em The Three Disasters. Verdade seja dita, o veterano acaba por “borrar” a pintura. Ao contrário dos seus colegas, Godard não se induz na criação de imagens mas sim na montagem destas, ao mesmo tempo que transcreve uma tese do poder da imagem e da constante metamórfica linguagem. Ainda há tempo de criticar Hollywood, renegar origens e decifrar matrizes, um pleno exercício de filosofia visual que demonstra o afastamento do autor às temáticas cinematográficas, abraçando a sua marginalização como poeta visual e sobretudo eremita. Esta panóplia de excertos, clipes e formas narrativas não convencionais faz com que 3X3D termine numa incógnita. A beleza de Greenaway e a provocação visual de Pêra são deformados pela vaidade artística de Godard, que apesar de fazer uso do 3D como veículo da sua própria aura artística, renega o formato como um processo criação e instala-se num tremendo egocentrismo intelectual. O seu contributo funciona como um insignificante acréscimo. Não é mais ou menos isso que os “artesãos” de Hollywood fazem com a terceira dimensão?

O Melhor – Greenaway e o seu “comboio-fantasma”
O Pior – Godard e a sua presunção artística


Hugo Gomes