Sexta-feira, 19 Abril

«Mudar de Vida» por João Miranda

O cinema português está em crise: com a falta de fundos públicos, a redução dos privados e a incapacidade de se sustentar a si próprio, a produção nacional está reduzida a quase nada. A mostrá-lo estão os quatro filmes que fazem parte da competição nacional na edição deste ano do Indielisboa (por oposição aos cinco dos últimos dois anos e 14 do ano anterior). Ainda assim, surgem por vezes alguns filmes que desafiam esta narrativa e as dificuldades impostas por ela. É o caso de Mudar de Vida, um documentário sobre José Mário Branco, que foi sendo filmado sem qualquer financiamento e que acabou por recorrer ao crowdfunding para poder obter as imagens de arquivo que precisava, para concluir as filmagens e para a sua edição.

Apesar do orçamento limitado, não se pense que o resultado final o é: Mudar de Vida consegue, nos 40 anos da Revolução de Abril, não só documentar uma época importante da nossa História, mas também levar-nos a refletir sobre tudo o que foi ganho nessa altura e que tem sido perdido nos últimos anos. Tudo isto sem se afastar de José Mário Branco, da sua vida e da sua obra. José Mário Branco é um artista importante na cultura portuguesa, tanto pela sua produção cultural, como pela sua participação política.

Se a qualidade da imagem das entrevistas não é sempre a melhor, o que é dito supera em muito essa falha. Num momento em que, mais do que financeira, a crise que assola o nosso país é de valores e da Democracia, com a legitimidade do governo atual a ser constantemente posta em causa pelas medidas retrógradas e mesmo criminosas que tem implementado, são necessários filmes assim: filmes que nos dão exemplos de luta, de pessoas que, contra tudo o que é esperado, resistem e se mobilizam contra um discurso oficial que nos quer roubar alternativas e o futuro. Quando a consciência política está quase esquecida e a construção mediática do cosmopolita urbano nos vende uma posição apolítica como algo sofisticado e avançado, são necessário filmes que rompam estas tendências e resistam. Infelizmente, o filme acabará apenas por pregar a convertidos, já que todos os que precisam dele preferem ser entretidos a serem questionados.

Vi este filme no 25 de abril, 40 anos depois da Revolução, e José Mário Branco não apareceu, mas enviou uma mensagem gravada em que alertou para o sonho perdido de Abril, negando-se a celebrá-lo porque estamos a passar um momento negro da Democracia Portuguesa, onde muitas das vitórias de Abril estão a ser perdidas.

Mudar de Vida é um ato de resistência na sua realização, no seu conteúdo e na sua intenção. Haja mais assim.

O Melhor: José Mário Branco, o homem, a vida e a obra; a persistência dos realizadores.
O Pior: A qualidade de algumas imagens.


João Miranda

(crítica publicada originalmente em abril de 2014)

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