Sexta-feira, 26 Abril

«Diplomatie» por Nuno Miguel Pereira

Quando em Agosto de 1944, a derrota de Hitler era mais do que certa, o führer, encolerizado e sem admitir o desfecho mais que óbvio, decide que Paris, naquele momento rodeada pelos aliados, mas ainda sob o comando germânico, deve ser transformada em ruínas. Nessa altura, e face à loucura das diretrizes, surge a questão: Até que ponto a justificação de estar somente a seguir ordens não esbarra com estrondo na legalidade da ação? Isto porque, o que movia Hitler não eram os seus ideias (obviamente deploráveis), mas antes o vislumbramento do seu fim. É aqui que o narcisismo se impõe sobre tudo e é nesta altura que se centra o filme Diplomacia: onde cumprir, ou não cumprir ordens, pode significar o extermínio de milhares de pessoas junto com o seu património cultural.

Nessa altura surge em ação Raoul Nordling (Niels Arestrup), cônsul sueco, que se dirige a Paris com o objetivo de demover o General Dietrich von Choltitz (André Dussollier) de dar a ordem final, que destruirá a capital.

Inicialmente a cadência do diálogo prende-se com argumentos meramente racionais, apesar de claramente a racionalidade do lado alemão acabar sempre com a frase: “temos de cumprir as ordens”. Aqui, o tom superficial dos argumentos não seria capaz de demover uma criança de roubar um doce. Eram meras formalidades. De repente, no espaço de 5 minutos – saindo do espaço onde grande parte da obra decorre, o escritório do general – o General Alemão muda o discurso, isto porque surge uma nova informação: semanas antes tinha sido aprovada a lei sippenhaft, que punia com a pena de morte todos os familiares dos militares que não cumprissem as ordens do führer. Na presente circunstância, o tom racional muda e Choltitz começa a fraquejar nos seus argumentos, confrontando o cônsul com os motivos verdadeiros que o movem, numa tentativa do filme de se desculpabilizar.

A verdade é que esta mudança repentina de discurso peca por ser demasiado superficial. Em momento algum a obra nos leva para uma dimensão mais emocional, que é no fundo o ponto mais marcante em toda esta situação. Um homem que, perante a ameaça da morte de toda a sua família, pareceu até certo ponto agir com demasiada ligeireza. Essa ligeireza também era notória na forma como a relação entre ele e o cônsul evoluiu. De perfeitos inimigos, com ideais inconciliáveis e desprezo mutuo; a amigos do peito.

Perdeu-se assim a oportunidade de contar uma história com mais coração, optando-se por um filme que, à semelhança da Suiça, foi sempre neutro.

Uma última ressalva merece ser feita: a dupla André Dussollier e Niels Arestrup, sobre o qual o filme recai 90% do tempo, é extremamente competente e credível. Em particular Dussollier tem um desempenho que mostra um homem em conflito e que vai expondo um arrependimento implícito, perante a derrota mais que consumada – esta dimensão poderia e deveria ter sido mais explorada.

O Melhor: A dupla de protagonistas e algumas cenas em que ideologias são desconstruídas.
O Pior: A superficialidade e neutralidade com que se aborda um tema que não pode ser abordado numa versão “fast-food”.


Nuno Miguel Pereira

 

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