Quinta-feira, 25 Abril

«Borgman» (Borgman – O Mal Intencionado) por Fernando Vasquez

Foi com enorme surpresa que em maio de 2013 a multidão de Cannes ficou a conhecer aquela que seria mais tarde recordada como a selecção mais fora do baralho dos últimos anos. Pelos corredores do Palais du Cinema falou-se muito com profunda estupefacção sobre o mais recente trabalho do veterano realizador holandês Alex Warmerdam. Polanski e companhia rapidamente asseguraram um rápido regresso à normalidade no certame, mas tal como os anti-heróis que fazem de Borgman uma das mais sedutoras experiências de 2013, o filme recusou-se a cair no esquecimento. Desde a estreia em Cannes que Borgman teima em aparecer sorrateiramente por todo o lado, acumulando prémios em eventos de grande prestigio como Atenas, Haifa e acima de tudo Sitges.

Borgman não é um filme sobre uma invasão domiciliaria qualquer. Ao contrário de outros no passado, Alex Warmerdam criou um universo quase fantástico, cómico e misterioso, onde um pequeno grupo de “eremitas”, a viver escondido numa floresta, se vê obrigado a fugir e a tomar de assalto um lar de classe alta nos subúrbios holandeses. Através de várias artimanhas e truques conseguem penetrar na vida de uma família com o seu consentimento, revelando-se como os vilões mais invulgares dos últimos anos.

Apesar do objetivo final da invasão ser tudo menos legitimo, chegando mesmo assumir tons perversos e aterradores em alguns momentos, Borgman consegue alcançar um feito notável: por uma audiência inteira a torcer pelos criminosos. Não se trata de uma mera manipulação de valores básicos, mas sim num exercício de sedução enigmática, onde aos poucos e poucos somos convencidos pelo absurdo da situação, sem saber muito bem porquê, tal como a pobre e indefesa família vitima de um crime sem igual.

Existe no entanto uma perpetua sensação de ameaça que não nos permite deixar de ter noção que algo medonho está prestes a acontecer. É neste reboliço de emoções que Borgman se revela como um trabalho de um cineasta conhecedor dos limites do que é aceitável numa narrativa que pretende conjugar o surreal com o real.

Tal como Mikail Bulgakov no seu romance de culto O Mestre e a Margarida, onde o diabo e o seu gangue aterrorizam simpaticamente uma nação inteira, Alex Warmerdam conseguiu criar um conjunto de personagens capazes de cativar o mais determinado cínico, convertendo-os aos seus planos maléficos. Tudo sempre regado por um sentido de humor perspicaz e delirante, que fazem de Borgman um filme a não perder.


Fernando Vasquez

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