Sexta-feira, 29 Março

«L’arbitro» (O Árbitro) por Bernardo Lopes

É em pleno século XXI, numa sociedade cada vez mais desapegada ao passado e aos costumes, que nos deparamos com uma criação onde uso do preto e branco remete para uma intemporalidade causal entre três histórias que, ainda com diferentes tons, se relacionam cultural e espacialmente, com referências assinaláveis a Viridiana de Buñuel e ao Neorealismo picaresco de Pasolini, relacionando metaforicamente o desporto rei com a essência daquela que é uma típica comunidade da Sardenha.

Curiosamente, L’Arbitro, obra que estreia Paolo Zucca na longas-metragens, é baseada na sua primeira e bastante aclamada curta-metragem com o mesmo nome, vencedora do Prémio David di Donatello, em 2009. E como se todos os elementos sui generis deste filme não bastassem para firmar a entusiasmante abordagem do italiano, quando contrastando o poderio económico e potencial de negócio do mundo do futebol com os campos pelados com quatro linhas e duas balizas que a todos pertencem, descobrimos que a distância que separa a primeira liga da liga dos últimos é muito pouca. Isto porque os dois mundos têm um objetivo único – correr atrás de uma bola.

Crucciani, um ambicioso árbitro profissional, é a figura central (ainda que não muito acentuada) do filme. Agora que as fases finais se aproximam, este sente que chegou a altura de subir na carreira – arbitrar uma final europeia – possibilidade que lhe parece ser favorável. Contudo, e graças a interesses que lhe são alheios, vê-se confrontado com uma proposta desonesta e corrupta que lhe garante essa mesma posição. É uma história repleta de hipocrisia e quid pro quo, onde a avidez sem escrúpulos é a mensagem que se quer transmitir com maior predominância.

Num plano semelhante, temos a rivalidade entre duas equipas locais que disputam a 3ª divisão regional. O Atlético Parabile, como é habitual, encontra-se no fundo da tabela e sem vitórias. Do outro lado temos Montecrastu, equipa conflituosa e sem escrúpulos que luta pelo título. Contudo, e para surpresa de todos, o Parabile dá início a uma segunda ronda triunfante com a chegada de Matzutzi, jovem que volta da Argentina para a terra que o viu crescer. Representada de forma caricatural, toda a narrativa intrínseca nesta vertente de L’Arbitro assume-se formalmente expressionista, onde os planos graciosamente construídos têm como objetivo captar os estados mentais e traços fortes dos personagens e que, em complementaridade com o humor negro dos diálogos, tornam delicioso o desenrolar desta narrativa.

Contudo, são dois primos que jogam no Montecrastu que completam as três linhas narrativas do filme. A morte de uma ovelha dá início à desavença entre estes ordenhadores de ovelhas. Aqui o silêncio impera e o olhar diz tudo. Com uma abordagem ao Neorealismo italiano relacionamos diversos elementos com filmes como Ladri di Bicicleta, do Di Sica, como a ausência de invocações dramatúrgicas, mas com um vigoroso conflito na trama. Contudo, esta representação não esteve ao nível das outras duas, muito graças ao facto de não ter abraçado na sua plenitude a linguagem pantomima dos personagens em causa.

Assumidamente atípica na sua abordagem, esta obra revela visionárias habilidades formais que se elevam em cenas como aquelas em que revivemos os complexos padrões geométricos, perfeitamente coreografados, dos musicais Hollywoodianos de Berkeley. E ainda que se denote algum descomedimento por parte do realizador em nos presentear as suas ideias, o que faz com que o filme se exubere desnecessariamente, podemos considerar que, no final dos 90 minutos, L’Arbitro proporciona-nos uma exibição de “encher o olho”.

O melhor: A sua forma e Alessio Di Clementi.
O pior: As marcas que deixou por ter tentado demais.

 
Bernardo Lopes

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