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«Sei Lá» por Hugo Gomes

Estamos de momento a viver a austeridade, com os cortes e a insegurança de um futuro incerto na vida social e económica, mas para além disso tudo, eis que surge para o bem dos nossos “pecados” Sei Lá, a adaptação do primeiro romance de Margarida Rebelo Pinto aos cinemas. A transição de um romance de cordel para o grande ecrã resultou numa comédia romântica onde a autora salienta a emancipação feminina de modo a argumentar uma defesa para a falta de relevância com que as mulheres são encaradas pelos homens na sociedade atual.

Porém, algo que à partida poderia sair a favor das próprias mulheres, menosprezando a figura masculina e distribuindo-a por catálogos, revela-se um tiro pela culatra em função de um tratamento igualmente desprezível das personagens femininas que Margarida Rebelo Pinto defende. Fúteis, superficiais mas acima de tudo estereótipos sem objetividade que pavoneiam o ecrã munidas de malas “Guccis”, vestidos caros e elaborados, tudo isto para tecer um romance incoerente e inacreditavelmente risível, onde os devaneios amorosos são elevados a uma espécie de “hagiomaquia” penosa e arrastada que leva a espectador a um final fantasioso que aspira ao conto de fadas. Ou seja, tudo cai no ridículo no preciso momento em que Sei Lá aborda as pseudo-ideologias feministas para orquestrar um enredo e subenredos que desafiam as próprias fronteiras da moralidade social, tudo isto sob a capa de um produto cinematográfico enfraquecido e pobre.

Quase como um atentado ao cinema, este é um filme (se poderemos chamar assim) que pouco ou nada se distingue das inúmeras telenovelas que “empapam” as nossas grelhas televisivas. Movido por um elenco sem brilho (não voltando a referir a ausência de personagens verdadeiramente construídas) onde o único ator de excepção é Joaquim Leitão. Sim, é o realizador, o homem que fora nos anos 90 responsável pela ressurreição do cinema comercial português que encena aqui a má matéria-prima sob um competente trabalho técnico (mesmo assim este é das suas obras realizadas menos inspiradoras nesse feito), ou seja, é só “enfeites”. Contudo, ninguém tira a ideia que a decisão para adaptar e explorar tal fruto é obviamente derivado à busca do mediatismo e do sucesso fácil, a fim de compensar a fraca perfomance do seu anterior filme, Quarta Divisão, nas bilheteiras.

Este rip-off da série norte-americana O Sexo e a Cidade é um OVNI narrativo, um equivocado projecto cinematográfico de visão distorcida e anorética acerca das mulheres em geral (sim, Margarida eu perdoo-te pelas ofensas directas aos homens), o que se torna ofensivo, apesar de não se esperar aqui uma reprodução de Scarlett O’Hara. De dramaticamente burlesco para involuntariamente desesperante, Sei Lá é uma criminalidade sem igual, algo que caiu de páraquedas” e que não se enquadra no panorama atual nem mesmo na própria definição de cinema. Com isto tudo chego a dar razão a João César Monteiro que citou perante aos ataques críticos ao seu Branca de Neve – “Queriam o quê? Telenovela?” – Ora bem, temos a resposta.

O Melhor – Joaquim Leitão
O Pior – Poderia ser uma arma em defesa das mulheres, mas é difícil sair-se em defesa de algo tão estereotipado e desmiolado


Hugo Gomes