Quarta-feira, 24 Abril

«Sei Lá» por André Gonçalves

 «Não estamos aqui para esclarecer,estamos aqui para entreter»

Num aspeto aparentamos estar todos de acordo: este foi um péssimo timing para lançar um filme tão frívolo como Sei Lá, adaptação do romance bestseller de Margarida Rebelo Pinto, adaptado pela própria ao grande ecrã, e sob a alçada do realizador Joaquim Leitão e do produtor Tino Navarro, que nos anos 90 (por sinal, e sem coincidências, a época que o filme retrata!) foram por sua vez responsáveis por alguns dos maiores e melhores sucessos cinematográficos.

A expetativa encontrava-se portanto desde o início bipolarizada. Se por um lado, a escrita de Margarida Rebelo Pinto é muitas vezes dolorosa de tão óbvia e aérea que é, por outro a parceria Leitão-Navarro já tinha gerado impressionantes dividendos de um material potencialmente problemático – e chamo aqui à discussão o seminal e inimitável Adão e Eva como o exemplo mais notável dessa parceria.  

Não admira portanto que o resultado final seja também ele uma salganhada que não sabemos se devemos levar a sério ou não. Se por um lado conseguimos testemunhar por alguns momentos algum cunho cínico e até meta-narrativo aos procedimentos (o favorito atual será uma das quatro protagonistas falar da personagem de Pedro Granger como um erro de casting… ), a verdade é que não estamos imunes aos pensamentos de Margarida Rebelo Pinto sobre o amor via Madalena (Leonor Seixas, a fazer o que pode com uma personagem fora do seu baralho), e de testemunharmos acima de tudo, um novo final alucinado feito de propósito para o filme, cumprindo a tese de que o amor é capaz de triunfar tudo, inclusive a ETA/atentados terroristas a Reis de Espanha.

Em qualquer dos casos, o entretenimento é garantido – em prol de qualquer esclarecimento, é certo – e se o camp não atinge os mínimos desejados, há aqui momentos de sobra para satisfazer qualquer adepto do género. E no capítulo “tão exagerado que deixa de ser mau para ser magnífico”, há que dar graças a duas interpretações femininas que dançam na miséria que é o estereótipo das suas personagens: Rita Pereira e Ana Rita Clara, respetivamente a bimba da margem sul e a louca por sexo descartável, surpreendem talvez por sentirem de facto que esta é de facto a sua primeira grande oportunidade para brilharem no grande ecrã. São, a par de alguns momentos de António Pedro Cerdeira – aqui a canalizar claramente Joaquim de Almeida, quem verdadeiramente aceita por completo o potencial camp do filme. Pena que se fique tudo a meio gás. Mas telenovelesco ou não, irreal ou não, já se viram objetos bem piores só em 2014… 

P.S. – excelente escolha musical, não sei se foram ideias de Margarida Rebelo Pinto, Joaquim Leitão, ou de todo um comité, mas de Bryan Ferry a Santos e Pecadores, captam mais o tempo da narrativa que qualquer Motorola ou Opel Corsa pescado. 

O melhor: O duo Rita Pereira/Ana Rita Clara. A panóplia de momentos alucinados onde se espreita o que poderia ter sido este filme se estivesse a levar-se menos a sério… 

O pior: Os pensamentos introspetivos da protagonista, saídos diretamente da mente de Margarida Rebelo Pinto; o novo final atabalhoado (e com vontade de atar todas as pontas) e apressado que se pode resumir ainda mais na seguinte expressão: Amor>ETA/Reis de Espanha. 

 

André Gonçalves

Notícias