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«L’image manquante» (A Imagem Que Falta) por Nuno Miguel Pereira

“Revolution is cinema” – ouve-se Jean Baptiste Phou dizer, algures a meio da obra, narrando a história real que Rithy Panh e Christophe Bataille escreveram.

Esta citação indica em parte o que o filme pode representar, partindo de um exercício de introspeção, contado através de imagens e vídeos de arquivo, e magníficas figuras de argila feitas à mão.

Os relatos aqui apresentados remontam ao regime Cambojano, forjado de progresso, liderado pelo Khmer Vermelho durante a década de setenta. Altura em que ele (Pahn) e sua família estavam entre os dois milhões de residentes da capital, Phnom Penh, sendo forçados a irem para as áreas rurais. Tudo isto porque o Khmer Vermelho sonhava com uma sociedade socialista sem classes, onde toda a população fosse camponesa.

Mais do que procurar culpados e acusações, Pahn presta homenagem a todos aqueles que lá perderam a vida (inclusive a sua família), retratando o quotidiano dessas pessoas naquele período horrorífico e expiando os demónios da sua infância, numa espécie de catarse cinematográfica.

Depois é feita uma transposição da realidade, vivida por aquele povo, para as incongruências típicas dos regimes megalómanos – fazendo um paralelismo em que, enquanto se apregoa o progresso, a educação e as descobertas científicas, se encobre a miséria, a fome, o desespero e as execuções sumárias a sangue frio.

Existe também uma crítica à sociedade egocêntrica (americana) que só dá conta da existência de outros países, quando precisa deles. Que enquanto festejam a chegada à lua, não percebem que a muitos milhares de quilómetros de distância, as pessoas só são livres de pensar (e baixinho). A ideia de que em algum momento da história e em algum ponto do globo, as pessoas fossem vedadas do cinema, da educação, coisas que temos como certas, obriga a repensar a forma como perpetuamos um capitalismo, onde não medimos os fins e não nos escusamos de meios.

Depois, a forma como Pahn compõe todos os elementos da história, alternando entre vídeos de arquivo e bonecos de argila; regressando à sua infância e avançando até as atrocidades ocorridas no seu país; tudo isso é de uma originalidade refrescante. A suavidade da narrativa contrasta com o soco no estomago que é a temática. O facto de não existir autocomiseração, apenas uma perseguição do passado, exposta magistralmente para o grande ecrã. Tudo se integra para criar aquilo que o cinema tem de melhor: contar uma história de uma forma que nunca nos foi contada. Mais, obrigar-nos a refletir, a digerir aqueles 90 minutos de duração da obra.

O melhor: A capacidade de contar uma história de uma forma inovadora, sendo subtil na sua crítica inerente.
O pior: O ritmo demasiado introspetivo por vezes pode tornar Missing Picture, uma obra algo difícil de ver.


Nuno Miguel Pereira