Sábado, 20 Abril

«O Menino e o Mundo» por João Miranda

Um menino brinca e vai descobrindo o mundo à sua volta. Quando o seu pai tem de partir, isto leva-o a descobrir partes do mundo e da realidade que desconhecia. Esta é a premissa enganadoramente simples, como os desenhos, de O Menino e o Mundo, um filme de Alê Abreu, ilustrador e realizador brasileiro, cujo trabalho pode ser visto aqui. Se ainda há quem acredite que a animação é algo infantil, como se viu pelo número de crianças na sessão deste filme em que estive, O Menino e o Mundo mostra como não só a animação, mas todo o cinema, podem abordar temas complexos como a desigualdade social, a pobreza, a globalização, a industrialização e a injustiça sem os reduzir ou simplificar. Pelos olhos da criança que explora o mundo, onde tudo vai assumindo formas fantásticas de animais e padrões coloridos, vamos vendo a nossa sociedade e alguns dos seus problemas.

Um dos elementos mais marcantes do filme é o uso do som: O Menino e o Mundo é uma experiência sonora marcante, com a participação de vários artistas na sua criação, não somente na forma de músicas para serem usadas, mas na construção permanente do ambiente que o menino vai descobrindo, usando vozes, percussão e outros instrumentos. A animação é também outro dos pontos fortes do filme, misturando desenhos que se parecem aos de crianças com animações que escondem a sua complexidade. Estamos continuamente a descobrir níveis numa animação que se finge 2D para depois explodir, não só em cor, mas em outras dimensões.

Mas o ponto mais forte do filme é a sua crítica ao Capitalismo e a toda a injustiça e desigualdade social que as suas formas mais desreguladas trazem. Quando o filme abandona, por momentos, a animação e nos confronta com imagens reais da indústria e dos estragos ambientais, o choque é completo, já não podemos voltar para a animação com a mesma ingenuidade com que a estávamos a seguir. E não somos só nós, o menino também muda: o tom que antes era alegre e despreocupado, a admiração com que descobria o mundo transforma-se em algo mais triste e nostálgico. Mas não cai no erro de outros filmes (como Rio 2096, outro filme brasileiro da competição da Monstra ) e não retira poder de protesto e transformação à personagem, tentando procurar alternativas de resistência viáveis.

Com tantos temas e tão complexos, saí do cinema com alguma pena dos pais que terão de tentar responder aos seus filhos a tantas perguntas para as quais não temos respostas. Se o filme ficar com as crianças e as levar a trabalhar para procurar essas respostas, pode dizer-se que não foi um pequeno feito. Da minha parte, deu-me vontade de o mostrar a algumas que conheço. Esperemos que tenha distribuição comercial.

O Melhor: A animação, o som, os temas.
O Pior: O tom mais triste no final pode parecer demasiado derrotista.


João Miranda

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