Sexta-feira, 19 Abril

«The Wind Rises» (As Asas do Vento) por Hugo Gomes

Hayao Miyazaki sempre havia revelado o seu fascínio pela aviação na sua vasta obra, nem que fosse pelo facto de um dos seus antepassados estar ligado à construção de peças de aeronaves durante a Segunda Grande Guerra. Porém, com The Wind Rises, aquele que o próprio afirma ser o seu derradeiro filme, serve como um tributo não só à figura homenageada mas como uma declaração de amor aos ventos da sua paixão.

O mesmo criador de animações intemporais como A Viagem de Chihiro ou Princesa Mononoke, estabelece um novo parâmetro de cinebiografia, inspirando-se livremente na vida de Jiro Horikoshi (1903-1982), um dos engenheiros chefes mais notórios nos tempos da Segunda Guerra Mundial e responsável pelo caça Zero, aeronave presente durante a expansão japonesa na China ou até o repentino ataque ao porto de Pearl Harbor. Pelo meio o cineasta ainda vai buscar inspiração a uma história trágica escrita por Tatsuo Hori, sobre uma jovem que contrai tuberculose e é enviada para um sanatório.

A animação, normalmente ligada ao entretenimento infantil, é aqui servida como veículo para a narrativa desta vida venerada por Miyazaki, um filme adulto não pelo seu conteúdo gráfico, mas pelo rigor com que foge da imaturidade e com que trata os temas e os atos dos seus personagens, com o acréscimo a uma fidelidade histórica e estilística para com a época.

Contudo, tudo seguiria no ritmo da monotonia não fosse o facto de ser um projeto erguido pelo amor. A aviação é motivo de romantização por parte de Miyazaki e com isso a apresentação de momentos oníricos salientam a beleza dos planos e dos desenhos, tecnicamente perfeitos, fruto de uma evolução gradual na carreira do autor.

The Wind Rises “reúne” dois mundos, animação e cinema de carne-e-osso, dando origem a uma espécie de híbrido, onde vemos desenhos animados mas temos a sensação de vermos um filme em imagem real. Vale a pena salientar que esta é uma obra irrepreensível em termos técnicos, gráficos, narrativos e nada é capaz de convencer-nos do contrário, de que estamos mesmo perante na maior criação de Hayao Miyazaki.

Ainda assim, fica a sensação que algo ficou a meio. The Wind Rises prolonga-se por cerca de duas horas e a própria romantização da vida de Jiro, intercalada por breves momentos de reflexão quanto aos propósitos do conflito bélico e da dor de ver suas invenções a tornarem-se armas implacáveis, criam impasses que poderiam servir para dar alguma enfase dramática e emocional ao seu protagonista. Nota-se um final de sonho, visualmente belo que só Hayao Miyazaki nos poderia oferecer, mas o espectador mais exigente sentirá a falta de um conflito inerente mais acentuado e uma maior tragédia na própria criação do personagem de Jiro. Relembro que o caça Zero foi uma mortal arma de Guerra, um dos símbolos de orgulho da militarização nipónica e como todas as armas bélicas, o sangue escorre em demasia para ser glorificado. Nesta falta de abordagem é que The Wind Rises tem dividido a crítica especializada, pois existe a sensação de uma espécie de branqueamento de tempos negros em prol do amor de um cineasta.

Contudo, nada impede que, tal como o seu autor, ame este filme, até porque estamos perante uma bela sintonia entre cinema e animação, onde de uma vez por todas se rompem as fronteiras. É que até mesmo os biopics merecem a sua diversificação cinematográfica.

O melhor– O grafismo e o amor de Miyazaki em transmitir sensibilidade nesta história
O pior– falta-lhe aprofundar a sua abordagem bélica e ética para não cair do erro de ser uma obra negligente


Hugo Gomes 
(Crítica originalmente escrita em abril de 2014)

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