Terça-feira, 19 Março

«Lone Survivor» (O Sobrevivente) por Hugo Gomes

Vindo do outro lado do oceano com o titulo de “o melhor filme de guerra desde O Resgate do Soldado Ryan”, O Sobrevivente é o tipo de obra que pouco ou nada tem significado na nossa cultura cinematográfica, nem sequer social. O que está em causa aqui não são as memórias de um Navy SEAL que consegue sobreviver após uma intervenção militar ter corrido “para o torto” em terras afegãs (de difícil credibilidade), nem sequer a homenagem que o filme parece incutir aos seus camaradas mortos, mas sim um desrespeito cultural e humano de um país, as mensagens subliminares de soberania norte-americana e pior, a manipulação com que o filme se articula em prol dessa mensagem.

Se não é facto então como explicar a generalização estereotipada dos antagonistas afegãos, a maneira como são facilmente abatidos pelas munições dos nossos SEALs e a forma com que os americanos resistem a estes atentados de jeito miraculoso como se aspirações de Rambo se tratassem. Depois temos sequências de carater piroso que tanto fazem lembrar um enésimo videojogo bélico onde o disparo e a ação são o que conta face ao conflito e os danos colaterais que uma Guerra pode gerar. Em O Sobrevivente não existe sequer espaço, nem tempo, para dramas nem sequer aprofundamentos do foro emocional e humano, é tudo uma questão de tática, apenas vazia com direitos a intermináveis slow-motions de quedas. Por isso é pura hipocrisia, alguém fora dos EUA louvar um filme deste género, demente na sua mensagem e na composição forçadamente lendária do seu protagonista.

Mesmo que Peter Berg seja ocasionalmente eficaz na transcrição das cenas de ação (o melhor da obra é mesmo o elenco), é um inadaptado em conseguir algo para além do panfleto de supremacia nacionalista, algo que já havia demonstrado e de forma mais despretensiosa no terrível Battleship – Batalha Naval. Contudo, e falando na filmografia neste “prodígio” de Michael Mann, Berg até acertou no alvo em O Reino (2007), onde graças a uma sequência consegue redimir um filme que apontava na mesma direção que este O Sobrevivente. O resultado foi uma mensagem que o realizador parece ter esquecido no seu novo pseudo-bélico, “todos diferentes, todos iguais”, como um dos motivos para os contínuos conflitos entre Ocidente e Oriente.

Enquanto isso, como é possível admitir em pleno pós-11 de Setembro que sejam produzidos filmes como este O Sobrevivente, feitos para agradar o Pentágono mas sem qualquer respeito com o resto do Mundo e sem conduzir de forma equilibrada a ambiguidade envolto da situação atual dos nossos dias, porque nem tudo é preto e branco, há que existir tons de cinzento.

O melhor – O elenco é eficaz e esforçado, ao menos isso.
O pior – O Sobrevivente é um filme vazio, excessivamente patriota e desrespeitoso e ignorante para com o conflito que se foca. Além disso é difícil de acreditar que o filme é fiel aos factos verídicos.


Hugo Gomes

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