Quinta-feira, 28 Março

«Grand Budapest Hotel» por Fernando Vasquez

Tendo em conta que faz agora exatamente duas décadas desde que começou a produzir repetidamente o mesmo modelo de comédias trágicas recheadas de elementos retro kitsch, uma pergunta impõem-se: porque é que Wes Anderson insiste em revisitar sempre os mesmos ambientes e emoções, empregando habitualmente um processo onde o estilo se sobrepõe ao conteúdo?

A pergunta poderá parecer ousada e provocadora, tendo em conta a legião de fãs que o visionário cineasta norte-americano mantém por todos os cantos do planeta. Mas acalmem-se lá os defensores pois a resposta vem já de seguida: porque 20 anos depois Anderson finalmente encontrou o equilíbrio perfeito e ideal, capaz de enriquecer a sua extraordinária visão e tato para o detalhe, que todos lhe reconhecemos, e transformá-la numa obra absolutamente obrigatória, incluindo para céticos como eu, que sempre apreciaram mais a descrição de Darjeeling Limited do que o excentricismo de Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial e tudo o resto.

Grand Budapest Hotel narra-nos a história de um lugar, um luxuoso hotel instalado no topo de uma montanha com vista para a atribulada Republica (imaginária) de Zubrowka. Enquanto no hotel o requinte e a elegância imperam, sempre sob o olhar atento do concierge Gustav (Ralph Fiennes), lá em baixo o mundo embrulha-se em manhas e intrigas que inevitavelmente conduzem ao início de uma brutal guerra que ameaça a imponência do ostensivo hotel.

A história é na realidade contada a partir das experiências de inúmeras personagens, em particular Gustav, uma figura deliciosamente repleta de contradições e volatilidades, mas pautada por uma retidão e decência impressionante, incapaz de se conter apenas no que toca às aventuras amorosas que mantém com várias idosas de classe alta que visitam frequentemente o estabelecimento. Quando uma dessas amantes, por sinal a mais próxima, aparece morta, uma legião de herdeiros arma-lhe uma complexa cilada para o afastar da disputa pelos bens da vítima.

Como é hábito nos trabalhos de Anderson, um dos mais requisitados cineastas em Hollywood, os créditos do filme mais parecem uma passadeira de estrelas: Ralph Fiennes, Bill Murray, Edward Norton, Jude Law, Tilda Swinton, Adrien Brody, Willem Dafoe e Harvey Keitel, para apenas mencionar uma ínfima parte. A grande maioria aparece apenas por breves instantes, sendo muito rapidamente abafados pelo gigante Ralph Fiennes, que depois de nos deslumbrar com uma serie de performances lendárias, revela agora também um sentido nato para a comédia, capaz de iluminar a já por si radiante e colorida tela de Wes Anderson. O controlo emocional de uma personagem tão complexa e multifacetada como Gustav, que esconde segredos e vontades interiores não tão nobres como seria de esperar, é absolutamente brilhante.

William Defoe não lhe fica atrás. Mesmo sem praticamente abrir a boca e escondido por uma imaculada e levemente grotesca caracterização, o ator norte-americano revela os seus dotes de vilão fantástico, como já não víamos desde A Sombra do Vampiro.

O requinte dos protagonistas e o seu caráter multidimensional são de longe o que mais de interessante Grand Budapest Hotel tem para oferecer. Apresentam-se ainda mais maduras e completas, não existindo apenas num contexto de gargalhada fácil, hiperbolizadas e demasiado otimistas em relação à boa vontade da audiência, como sucede em Moonrise Kingdom por exemplo. O cenário da Europa pre-segunda grande guerra, à beira de um abismo de dimensões apocalípticas, oferece-lhe a possibilidade de revestir as personagens com qualidades verdadeiramente humanas, onde as suas ações têm consequências concretas, enquadradas sempre numa era que viria a revelar todo o poder destrutivo do homem.

Independentemente de todos os seus triunfos, que são muitos, a expressão maximalista de Anderson não deixa de revelar algumas das limitações que poluem os seus trabalhos anteriores. Felizmente, desta feita, o cineasta soube proteger o universo que criou com um guião virtuoso e um ritmo eletrizante que fazem the Grand Budapest Hotel a sua melhor obra até à data.


Fernando Vasquez 
(Crítica originalmente publicada a 13 de fevereiro por ocasião do Festival de Berlim)

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