Quinta-feira, 25 Abril

«12 Years a Slave» (12 Anos Escravo) por Roni Nunes

Nunca a escravatura terá sido objeto de um esforço tão metódico em reproduzir com tamanha secura a sua brutalidade intrínseca. Sob esse prisma, não admira que esta obra de Steve McQueen, que já se havia dedicado a um processo intimista de decadência com Vergonha, esteja a causar impacte nos Estados Unidos. A violência psicológica alcançada aqui faz o gore fanfarrão de Tarantino (Django Libertado) parecer uma brincadeira.

Solomon (Chiwetel Ejiofor) é um homem livre com família que, quase sem dar por isso, é raptado da Nova Iorque liberal e atirado para o sul esclavagista, onde vai testemunhar e sofrer todo o tipo de atrocidades. E aqui McQueen não poupa na ementa: para além dos espancamentos recorrentes e das torturas físicas, a preocupação do cineasta desdobra-se num cuidado quase sádico (não fosse uma interpretação verossímil da realidade) no sentido de reproduzir na sua essência as consequências psicológicas de um ser humano reduzido à uma mercadoria. Para além de filhos separados das mães por razões comerciais, os negros também estão desprovidos de qualquer direito à identidade, à privacidade, ao pudor e até mesmo ao luto dos entes queridos.

Um dos aspetos notórios é que, após os primeiros minutos, quando o plano da hélice de um barco simboliza a entrada de Solomon na tempestade, até os minutos de resolução do conflito, não há uma curva ascendente/descendente de tensão: 12 Anos Escravo decorre em frente ao espectador como se fosse um longo travelling lateral, onde a crueldade inerente ao quotidiano de uma casa senhorial do século XIX sulista é descrito de forma impiedosa em toda a sua ausência de compaixão (“a minha compaixão cabe na face de uma moeda”, diz uma personagem). Essa dimensão de sufoco, onde não são concedidas saídas a personagens entregues à própria sorte, é acrescida pela ausência de situação da história no tempo, entregando o espectador à sensação de um longo pesadelo sem fim à vista.

Em termos de realismo, o mérito do esforço de McQueen é inegável, concedendo um retrato de tal forma incisivo que serve bem para lembrar aos racistas modernos o verdadeiro significado do etnocentrismo. Por outro lado, a excessiva linearidade do relato torna-o próximo do requinte de morbidez da arthouse do qual o cineasta de Vergonha parece tributário – como demonstra uma longa cena de espancamento com pormenores “à Paixão de Cristo” que o realizador espeta no espectador depois de duas horas de tormentos. Na sua conclusão, fica a braços com um final cuja natureza emocional seria muito difícil de resgatar – o que acaba por tentar sem grande imaginação.

O Melhor: uma recriação bastante verossímil de um estado de submissão escrava
O Pior: a excessiva linearidade do quadro, que torna o filme por vezes arrastado


Roni Nunes 

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