Depois de ter arrecadado o Urso de Ouro do Festival de Berlim e o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2012 com Uma Separação, o autor Asghar Farhadi volta a abordar as dificuldades do divorcio iraniano, desta vez sob uma perspetiva ocidental, sem que com isso esqueça por momentos a sua herança cultural e social. O divórcio, algo que fora retratado na obra anterior como um obstáculo interminável e um indesejado estatuto, é visto aqui como uma escapatória a vidas não consumáveis.

Marie (Bérénice Bejo), uma mulher parisiense, anseia o termino do compromisso, viajando o seu ex-marido, Ahmad (Ali Mossafa) de Teerão para Paris para regularizar a situação e assim “libertar” a sua ex-companheira para que esta case com o atual noivo, Samir (Tahar Ramid). Aquilo que aparentemente seria uma tarefa simples transforma-se num extenso conflito no preciso momento em que Marie decide hospedar Ahmad em sua casa, convivendo temporariamente com Samir.

O “triângulo amoroso” aqui exposto torna-se cada vez mais cerceado, num ambiente de “cortar à faca” que tende a piorar gradualmente, especialmente depois de serem revelados conflitos ocultos, entrando assim as personagens numa “cadeia de colisões“. É o passado, tal como o titulo transmite, o suspeito do costume nesta colectânea de sentimentos expostos à flor da pele, onde inúmeros dilemas morais e familiares surgem em prol da extensão da narrativa. Por outras palavras, um filme cenicamente simples converte-se num ensaio de complexidades humanas, tal e qual uma telenovela de luxo. Parecendo heresia esta comparação, diríamos que dentro do universo “telenovelesco“, Asghar Farhadi executa um exemplar flexível e mais astuto na resolução dos conflitos. Para o consegui-lo, sem que com isso ceda aos lugares-comuns, as “desavenças familiares” funcionam como twists repentinos que “esbofeteiam” o espectador, mantendo-se o realizador sempre fiel ao suspense desde o primeiro minuto (parecendo que não, Asghar Farhadi demonstra elasticidade para o thriller).

Por fim, na condução destes argumentos que nos impelem a visualização deste Le Passé, eis que encontramos um leque de atores formidáveis em constante contagem decrescente para eventuais explosões emotivas, entre as quais destaca-se uma exuberante Bérénice Bejo, a “mulher-bomba” deste episódio cinematográfico.

Em suma, estamos perante uma orquestra regida a emoções e dramas humanos onde o “maestro” Asghar Farhadi demonstra nesta sua primeira longa-metragem fora do Irão que consegue acima de tudo conservar as suas raízes. Um desses evidentes factores é o fetiche cinematográfico iraniano (que tão bem sabem fazer) de filmar o interior de automóveis e “transportá-los” para o meio da intriga.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
le-passe-o-passado-por-hugo-gomesFarhadi arrisca em transladar histórias iranianas em territórios estrangeiros