Sexta-feira, 19 Abril

«A Touch of Sin» (China- Um Toque de Pecado) por Roni Nunes

A uma certa altura deste A Touch of Sin, um grupo de colaboradores de um clube de prostituição na China continental treina para receber homens endinheirados vindos de Hong Kong e Taiwan. A aproveitar o nome do local, o realizador Jia Zhangke põe os jovens a repetir várias vezes, em coro, bem-vindos à Era Dourada. A ironia, que beira o sarcasmo, sustenta uma espécie de declaração de intenções do cineasta, que foi buscar à vida real quatro histórias da China contemporânea onde a violência ocupa o lugar central.

Mais do que simples coação física, o que se vê é o uso da força como resposta desesperada e uma reação a opressões de outros níveis – como a da corrupção estatal da primeira história, da brutalidade masculina (física e psicológica) da terceira e a da perda generalizada dos laços sociais do último episódio.

Neste sentido, é no segundo capítulo que forma e conteúdo encontram o seu mais perfeito equilíbrio e onde a violência é encarada na sua mais profunda banalidade. Mergulha-se aqui na vida de um criminoso sem maiores vínculos pessoais, entediado com a vida na sua comunidade e que só sente adrenalina ao empunhar uma arma e cometer crimes.

O cinema de Zhangke, especialmente em obras como Still Life e 24 City, tem uma forte conotação social, com um gosto bastante pronunciado em retratar a vida dos menos favorecidos. Neste sentido, não se pode dizer que a corrupção e o autoritarismo, evidenciado mesmo nas mais baixas instituições públicas, sejam elementos desconhecidos do seu cinema – assim como as contradições surgidas do capitalismo à moda chinesa. A novidade é a violência como elemento central.

Já o gosto do cineasta em filmar grupos de populares ressurge em diversas cenas – com estes representantes do povo chinês aparecendo normalmente fatigados, apáticos, oprimidos. E é para eles que a dada altura a câmara de Zhangke se volta, enquanto fora de campo, ouve-se um ator numa encenação perguntar: “China, compreendes o teu pecado?

O filme perde um tanto de fôlego nas duas histórias que o encerram – particularmente na última – onde esse tipo de temática (um processo de desintegração pessoal através da fragilização dos vínculos com o mundo externo) já viu bem melhores abordagens.

 


Roni Nunes

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