Sexta-feira, 19 Abril

«Sacro GRA» por Jorge Pereira

Muitas vezes as pessoas/personagens que acompanhamos nos documentários [e também na ficção] ultrapassam a dimensão dos próprios filmes e até servem para atenuar as limitações formais dos próprios. Em 2010, Gianfranco Rosi executou um dos documentários mais interessantes do ano, El Sicario Room 164, que servia como um relato na primeira pessoa de alguém que pertenceu a um cartel do narcotráfico e foi responsável por raptar e executar pessoas.

Três anos depois, Rosi decide fazer uma inversão de marcha e regressa a algo mais próximo ao que tinha feito em Below The Sea Level (2008), um documentário onde viaja até uma área a 300 quilómetros de Los Angeles, seis metros abaixo do nível do mar, para nos mostrar uma comunidade de inadaptados que vive no meio do deserto num mundo à parte e fora da civilização.

Curiosamente, ou não, em ambos os trabalhos a riqueza das personagens onde se centra suplantam a técnica ou o estilo. Neste Sacro GRA, Rosi foca a sua atenção num conjunto de indivíduos que vive perto da Grande Raccordo Anulare (GRA), uma autoestrada à volta de Roma que se estende por cerca de 68 quilómetros que serve de desculpa para o cineasta estudar a metafisica urbana e apresentar a uma de coleção de vidas invisiveis que pulula nas imediaçoes do Grande Anel. Para chegar a essas personagens, algumas delas involuntárias, Rosi estudou durante meses o local, apontando a sua objetiva a estes homens e mulheres, como que mostrando a diversidade que percorre um espaço sem uma verdadeira identidade mas que os vai mantendo por perto.

Pelo meio, algumas metáforas, menos subtis do que se poderia esperar, são transpostas de forma (mais ou menos) poética para deixar algumas mensagens. Isso mesmo pode ser visto na história de um cientista que cataloga e analisa palmeiras com intuito de ver se estas estão a ser fustigadas por insetos que as destroem por dentro, naquilo que se pode chamar uma esforçada forma, ao estilo martelo pneumático, de dimensionar o filme numa escala universal.

Na verdade, esta busca de uma maior profundidade ajuda a catapultar ou a destacar alguns desses invisíveis, ainda que no fundo, e apesar de haver algum interesse nas pequenas histórias apresentadas (como a do solitário paramédico), acima de tudo sobressai o facto de que esta é uma obra pouco compacta, que negligencia a maioria das suas intersecções e onde o espectador vai assistindo a monólogos, diálogos e relações humanas, muitas vezes como se fosse um mero mirone [como aqueles momentos em que assistimos através de uma janela a um pai e filha que falam da sua vida quotidiana], tornando toda a experiência em algo verdadeiramente distante.


Jorge Pereira
(Crítica originalmente escrita em setembro de 2013)

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