Sexta-feira, 29 Março

«L’Écume des Jours» (A Espuma dos Dias) por Hugo Gomes

Um dos “fundamentalistas” do movimento surrealista, como também na anarquia como manifestação politica, Boris Vian (1920 – 1959) sempre apresentou nas suas inúmeras obras um mundo próprio algures entre a desordem social, o puro onírico e a metáfora no seu estado mais cristalino e poético. Entre os seus escritos encontramos a aclamada obra-prima que é L’Écume des Jours (A Espuma dos Dias), que nas mãos de Michel Gondry é um autêntico “pernas para o ar” da comédia romântica modelar.

A verdade é que o realizador não é um completo estranho nestas incursões alternativas do romance, basta só referenciar o seu singular O Despertar da Mente (2004) escrito pelo criativo Charlie Kaufman, e onde se consegue distinguir a sua hábil excentricidade visual, o gosto pelo bizarro e também a diferença. Agora, Gondry cita Boris Vian como um incomparável substituto ao génio de Kaufman, dois universos que possuíam todas as características e mais algumas para que quimicamente se tornassem numa só, mas que infelizmente este A Espuma dos Dias não proporciona, existindo algo que os impede de realmente de conjugar. Que problemas são esses realmente?

A obra A Espuma dos Dias (o livro) é uma inserção de ideais, filosofias e até vivências do próprio Boris Vian, matéria profunda e de reflexão que é adaptada por Gondry da forma mais visual possível. Ele é sim, um autor que trabalha com o estético, com a manipulação de imagens e transforma o peso das ideias de Vian numa mera fantasia de influências da vanguarda francesa que contraria, sem com isso reverter narrativas, a formula dos romances mainstream. É por essas e por outras que A Espuma dos Dias de Gondry soa-nos a plástico, um filme demasiado forçado e cuja imaginação dificilmente flui na sua narrativa.

Não que com isso afirme que a fita seja nula. Existem alguns pormenores que dignificam a relação do realizador com o autor surrealista. A fotografia e a transformação dos cenários em prol dos sentimentos das personagens encontra-se bem conseguida. Para além disso, Gondry convida os seus atores a integrar um burlesco quadro pintado, ideias emprestadas, mas demonstradas pelos seus “pincéis”.

O melhor – O elenco (principalmente Romain Duris), o visual de Gondry, a fotografia e as suas mutações

O pior – incapaz de condensar o universo de Boris Vian sem que parecesse um ato falso e ao mesmo tempo demasiado pitoresco


Hugo Gomes

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