Quinta-feira, 28 Março

«Du Vent dans mes mollets» (Dentes de Leão), por Roni Nunes

História baseada numa obra infantil de Raphaële Moussafir, que coescreve o argumento com a realizadora Carine Tardieu.

O mundo visto pela menina de nove anos Rachel (Juliette Gombert) não é famoso: a sua mãe é superprotetora e politicamente correta na comida e nas ações (ao ponto de lhe dar como prenda de aniversário um cheque para ajudar uma criança africana, quando o que ela queria era fazer parte do Clube da Barbie) e na escola revela uma timidez e um complexo de inferioridade que a leva a invejar uma menina mais bonita. O pai é relativamente ausente e o filme começa com um carta que ela escreve para sua psicóloga, que passou a frequentar por dormir com a mochila da escola às costas. O seu único conforto é a nova amiga Valèrie (Anna Lemarchand), que a vai levar a um mundo de descobertas.

Essa tentativa de mostrar o mundo através da perspetiva infantil é marcada, curiosamente, por um olhar tão tosco quanto as palavras grosseiras de fundo sexual que Tardieu põe na boca de duas meninas de nove anos. Esta falta de subtileza, que a aproxima perigosamente do terrível humor das comédias adolescentes de Hollywood, é contrabalançada, curiosamente, com a fantasia típica de um certo olhar feminino. Este está nítido na forma púdica como trata temas como amor romântico, casamento, fidelidade e, incrivelmente, até o celibato – este, aliás, cultivado pela personagem mais improvável do filme.

Sem um foco muito definido, a história vai avançando aos solavancos, mas safando-se ao garantir, aqui e ali, alguns momentos divertidos. Estes são ajudados por um bom elenco, que inclui Agnès Jaoui, Isabelle Carré e uma mal aproveitada Isabella Rosselini, para além das meninas.

Mas os carros desta montanha russa descarrilam mesmo é no fim quando Carine Tardieu, depois de apresentar um filme que investiu no humor leve, beirando o rude e até com episódios de burlesco, espeta um final sentimental para jogar com as lágrimas do espectador. Entende-se que a ideia seja mostrar os aspetos centrais da vida através das descobertas de uma criança, mas é enervante na mesma.

O Melhor: o elenco. Alguns momentos engraçados
O Pior: em geral sem rumo e com final lamechas


Roni Nunes
(Crítica originalmente publicada a 13 de outubro durante a Festa do Cinema Francês)

Notícias