Sexta-feira, 29 Março

«Animal Kingdom» (Reino Animal) por Hugo Gomes

Desde a primeira sequência deparamos-nos com uma certa estranheza no retrato das relações entre as personagens, que parecem culminar num vazio. Contudo, Animal Kingdom – traduzido com toda a justiça para Reino Animal – não é uma aposta do foro emocional mas sim na transmissão do ambiente criminoso como estrutura familiar, algo de fazer relembrar os mais variados filmes de máfia. Neste mundo violento e ilícito, dominado por homens, é na figura matriarcal de uma firme Jacki Weaver que nos é apresentada a sua conduta mais emocional (e talvez a única).

Trata-se de uma obra australiana que chega ao nosso país com três anos de atraso, mesmo detendo uma nomeação aos Óscares de Academia (Melhor Atriz Secundária em 2011), um retrato de violência e crime arrastado que traça contornos de preservação familiar na sua jornada. Reino Animal é uma obra profissionalmente executada e que guarda algum engenho por parte de David Michôd, que dirige aqui a sua primeira longa-metragem ficcional após algumas curtas e documentários. Para além disso, deve-se louvar o elenco que nos serve bons desempenhos (um arrepiante Ben Mendelsohn que vimos recentemente no excelente Como um Trovão, de Derek Cianfrance, até um discreto James Frecheville). Contudo, este filme de teor naturalista e influenciado por um cinema realista e cru é insípido pela sua falta de cumplicidade com o espectador, e não só, entre as suas personagens e situações.

Tudo roça um minimalismo que dissipa qualquer ensaio emocional e dramático, construindo todo filme na base de um circulo fechado de violência e pura animalidade dos atos, tal como alusão ao titulo. Talvez seja esse o objetivo da direção e do guião escrito por David Michôd, uma ausência de humanidade (nota-se o esforço do protagonista em esconder tais sentimentos quando o infortúnio abate sobre ele) e um equiparação cada vez mais acentuada entre homens e animais. O selvagem e o primitivo unidos dando assim dinamismo à trama. É que Reino Animal chega mesmo a fascinar em termos práticos mas falta-lhe essência para conquistar.

O Melhor – Os atributos de David Michôd e o elenco
O Pior – Admite-se as qualidades da fita, como também os seus objetivos, mas Animal Kingdom é isento de emoção, de ligação entre as personagens, as suas relações e as situações aqui transpostas.


Hugo Gomes

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