Sábado, 20 Abril

San Sebastián: «Mother of George» por Fernando Vasquez

A última edição do festival de Sundance não ficou isenta de críticas já que grande parte dos vencedores eram filmes cujos primeiros passos tinham sido dados dentro do próprio instituto. Mother of George, de Andrew Dosunmu, vencedor do prémio de melhor cinematografia no festival norte-americano, e que agora está em competição em San Sebastian, parece ser uma feliz exceção.

Focado na comunidade nigeriana em Nova Iorque, o filme conta-nos a história do casamento atribulado de Adenike e Ayodele, uma relação assombrada pela incapacidade do casal de gerar um filho, apesar de ser perfeita em tudo o resto. Pressionada pelos que a rodeiam, em particular pela sogra, Adenike aceita enveredar por uma alternativa pouco convencional de forma a não ferir a masculinidade do marido, mas no entanto acaba por ter exatamente o efeito contrário, testando os limites do casamento de uma forma extrema.

A história de Mother of George, longe de ser banal, vale acima de tudo pela janela que nos oferece a uma comunidade fechada e repleta de rituais, dos quais se conhece muito pouco. Particularmente interessante é o contraste entre estas tradições e a cidade cosmopolita e moderna onde eles têm lugar. Este paradoxo é evidente nas reações e perspectivas das várias personagens, que se dividem entre aquelas perfeitamente assimiladas pela cultura ocidental e aquelas que se recusam a abandonar princípios e origens, havendo ainda algumas, como Adenike, que se encontra si própria dividida entre as duas.

Haverá quem pense que a postura servil de Adenike, como mulher e esposa, seja algo diminutiva, mas é importante salientar que Andrew Dosunmu seguramente não fez o filme para criticar a relação dos sexos dentro da comunidade africana, mas sim simplesmente mostra-la como ela é, atingindo por isso um valor ainda mais relevante do que se tivesse seguido por outro caminho, inevitavelmente gerando debate sobre o tema. Ao tomar esta opção o cineasta concentra-se acima no drama familiar, recolhendo muitos frutos a seu favor.

Mother of George destaca-se também pela abordagem estética, desenvolvendo um discurso cinematográfico muito próprio e de uma beleza impressionante. O slow-motion pode ter sido usado até à exaustão, sendo apenas desculpado pela perfeição de tudo o resto. Existe uma simbiose fascinante entre banda sonora e fotografia, que juntas obrigam a audiência a reviver um pouco do drama psicológico e até físico da personagem principal. O jazz avant-garde pode parecer fora de sítio mas suspeito que tenha sido escolhido, em parte, por essa mesma razão, já que o filme tenta projetar a ideia de uma cultura deslocada, a milhas de distância do seu território de origem.

A nível de planos Dosunmu escolheu também uma abordagem especial, com enquadramentos que escondem mais do que mostram, frequentemente desfocados e em tons azulados e repletos de texturas, não nos permitindo descortinar o impacto dos diálogos em determinadas personagens. Para alguns poderá ser um passo longe demais, enquanto que outros encontrarão nesta escolha uma alternativa inteligente para mascarar a história com novas camadas ao mesmo tempo que apenas desvenda o necessário, obrigando por isso a um exercício ativo por parte da audiência.

Provavelmente um dos mais complexos mas também cativantes retratos da américa negra moderna, Mother of George é um filme de uma beleza visual inquestionável e uma coragem estética fora de vulgar. Por si só fatores que tornam a produção obrigatória para todos aqueles à procura de novas correntes do cinema mundial. No entanto, este é um filme que também coloca questões interessantes sobre questões de género, multiculturalidade, sabendo sempre respeitar todos os lados e perspectivas, já que se recusa a lançar julgamentos precipitados.

 
Fernando Vasquez

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