Quinta-feira, 28 Março

«Lore» por Roni Nunes

 

Os registos cinematográficos sobre a história do nazismo, em especial aqueles feitos fora de Hollywood, têm ganho muito em realismo e profundidade, especialmente quando se despem dos preconceitos, das soluções simplistas e dos sentimentalismos. A realizadora australiana Cate Shortland adaptou um livro semiautobiográfico da escritora britânica Rachel Seiffert e saiu-se com um filme absolutamente brutal sobre o tema.

Mais precisamente sobre a derrocada final do país de Adolf Hitler. Em 1945 os alemães vão se dando conta de que a grande nação germânica idealizada pelo führer – seguido com empenho por partes consideráveis da sua sociedade – está arruinada.

O grande líder da vitória final está morto e as contas que ficaram por pagar não são nada desprezíveis: durante o filme, o espectador cruza com os sobreviventes às voltas com o luto pelos familiares (alguns ainda a decomporem-se no quintal), com a miséria e a violência reinantes, com a constatação dolorosa da derrota e, dado novo, com a perplexidade (e a negação) diante do conhecimento das atrocidades cometidas durante a “solução final”. Neste último caso, por exemplo, para lhes fornecer um pedaço de pão, os aliados, agora senhores do que era a Alemanha, exigem que eles vejam as fotos dos campos de concentração recém-libertados.

O retrato de um país devastado e sem rumo encontra sintonia com a trajetória de Lore Stressler (Saskia Rosendahl, extraordinária), uma adolescente que, após a fuga dos pais, figuras importantes do regime, lidera seus irmãos menores por uma viagem desesperada para atravessar o país e chegar à casa da avó. No caminho arranjam ainda um sinistro companheiro de viagem (Kai Malina).

Shortland não se coíbe em representar tanto a violência física como a psicológica como símbolo de um mundo tomado pela lei da sobrevivência. As suas personagens (com exceção de Lore, todas crianças e onde se inclui um bebé permanentemente faminto) fazem uma jornada sem dúvida heroica, mas pouco edificante ou gloriosa – na medida em que o que resta dela é o retrato final de um colapso coletivo sem precedentes.

Paralelo a isto tudo, a protagonista lida com a construção da sua própria identidade. Esta diz respeito tanto a cada vez mais incontornável questão do passado dos pais, quanto da erupção do seu próprio despertar sexual. Não é pouca coisa e daí que a relativa economia de cenas sentimentais e diálogos explicativos com que Shortland pontua o seu filme, repleto de momentos silenciosos e detalhes da natureza, funcionam à perfeição. A completar, um final igualmente satisfatório.

Por fim, “Lore” deixa entrever um pensamento bastante simples: a linha que separa uma civilização sofisticada, como era a Alemanha do início do século XX, da barbárie absoluta, é bastante ténue.

O melhor: a perfeita ligação entre tema, história e trajetória pessoal; Saskia Rosendahl
O pior: nada


Roni Nunes

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