Domingo, 5 Maio

«Hannah Arendt» por Roni Nunes

Opção da veterana realizador alemã Margarethe von Trotta (de “Rosa Luxemburgo”) por uma biografia em moldes clássicos, sem grandes devaneios estilísticos e do qual se espera que, pelo menos, o tema tenha um tratamento dramaticamente aceitável e devidamente atualizado.

O cenário era (e, de certa forma, ainda é) explosivo: a grande filósofa alemã de origem judia que dá nome ao filme (Barbara Sukowa, na sua quinta colaboração com a cineasta) desloca-se a Jerusalém, depois de 18 anos de exílio nos Estados Unidos, para cobrir jornalisticamente o julgamento de Adolf Eichmann, um dos maiores líderes nazis e responsável direto pela organização dos campos de concentração do regime.

Ao contrário do que esperava, no entanto, em vez de deparar-se com uma figura “monstruosa”, o que Arendt presencia é o depoimento (e uma defesa lógica e racional) de um homem bem pouco extraordinário, um burocrata na máxima asserção do termo. Este será o ponto de partida para o desenvolvimento da sua famosa e incómoda tese sobre a banalidade do mal.

Hannah Arendt tem uma abordagem variada, o suficiente para não ser uma mera reconstrução filosófica ou uma aula de história, embora os debates em torno das ideias da filósofa sejam de longe o maior interesse do filme. É aqui que se dá uma conexão fundamental e necessária com o mundo contemporâneo: no último terço dedica-se à enorme e violenta repercussão que a publicação das suas conclusões causaram na sociedade da época – permitindo introduzir claramente a temática da relativização dos conceitos de certo e errado, do bem e do mal.

No julgamento público (judeus a viverem nos Estados Unidos) às ideias dela, aparecem também exemplos de fanatismo e fundamentalismo, mostrando que noções como estas não são apanágios de um só povo nem de uma época. Num diálogo fundamental, quando um agente secreto ameaça Arendt de proibir o seu livro em Israel, ela responde: “vocês proíbem livros e eu é que sou indecente”.

Em termos dramáticos o filme perde claramente quando se concentra na vida amorosa ou académica dela, ganhando novamente vida quando surgem os inflamados debates – em casa, na escola, em qualquer lado. De forma geral, quem brilha por si na fita é a própria filosofia, numa aparição rara no cinema e bem tratada por quem a foi buscar.

Segundo a tese de Arendt (inspirada pelas ideias do seu amante e que, posteriormente, teve um complexo envolvimento com o regime de Hitler, Martin Heidegger), o que caracteriza Eichmann e figuras como ele é a sua anulação como indivíduo e a mais clara característica deste – a capacidade de pensar. Embora pesem certas limitações, von Trotta conseguiu ser fiel ao espírito de Arendt neste ponto: realizou um filme que faz pensar.

O Melhor: a filosofia como protagonista
O Pior: os momentos mais mornos da vida pessoal de Arendt

 


Roni Nunes 
(Texto originalmente escrito por ocasião da 1ª Mostra de Cinema Judaico)

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