Sexta-feira, 19 Abril

«The Act of Killing» (O Acto de Matar) por João Miranda

Em novembro de 1965, depois de um golpe de estado falhado, deu-se início na Indonésia a uma purga anti-comunista. Nos meses seguintes, centenas de milhares de pessoas foram mortas, quer pelo exército, quer por grupos de justiceiros coordenados por este. No Norte de Sumatra, uma região da Indonésia, um pequeno grupo de criminosos transformou-se num esquadrão de execução, com milhares de mortos em seu nome. Com o passar dos anos, esse grupo deu origem a um grupo paramilitar de direita, o Pemuda Pancasila, que continua a dedicar-se a negócios ilegais com a conivência do governo.

Depois de Joshua Oppenheimer, o realizador, se ter dedicado aos que foram perseguidos nesta purga em “The Globalisation Tapes”, onde se vê que alguns dos sobreviventes são obrigados a trabalhar em plantações britânicas, dedicou-se agora ao lado dos assassinos, que se gabam dos atos, aparentemente sem remorsos.

“The Act of Killing” conta a história de Anwar Congo e os seus comparsas, cada um deles responsável pela morte de centenas de pessoas. Estas são pessoas que se definem como fazendo parte dos vencedores e como tal dos que definem a História e a noção de crime. Apaixonados por filmes, vão buscar aí as imagens do que querem ser e de como matar as pessoas que lhes indicam que têm de o fazer. Contatados por Joshua, Anwar e os amigos resolvem participar no filme e encenar algumas das situações por que tinham passado.

Este é um filme brutal, onde o à vontade e a aparente ausência de qualquer culpa se torna incómoda, nos sorrisos amigáveis de quem conta como matar mais facilmente e com menos sangue e logo a seguir nos mostra como ia dançar depois, nas reencenações, meias a brincar, meias a sério, de cenas terríveis. Mas se, no início, as conversas são mais fanfarronas, pouco a pouco vão-se notando pequenas falhas: alguém que defende que se deve pedir desculpa aos sobreviventes, outro que põe em causa a crueldade dos seus actos e tenta justificá-la com a crueldade da vítima.

Se por vezes a consciência da representação mediática parece quase ausente nos protagonistas, em outras percebe-se que há uma grande sofisticação na forma como tentam usar o realizador e as imagens que estão a ser produzidas. Este é um filme de grandes dúvidas: se parece haver um arrependimento de uma das personagens, por outro lado esse arrependimento parece tão representado como era a fanfarronice inicial. Na câmara somos continuamente confrontados com a oposição das representações individuais e de grupo, com um cenário de sangue e terror constante, por vezes procurando alguma forma de absolvição, outras procurando a aprovação dos seus pares.

No final, são mais as dúvidas do que as certezas que o filme levanta. E isso é bom: mais do que nos dar a ideia que sabemos alguma coisa sobre o tema que foca, um bom documentário deixa-nos cheios de perguntas e vontade de saber mais. Sob esse ponto de vista, “The Act of Killing” é sem dúvida um grande filme.

Para as pessoas que, como eu, ficaram intrigadas sobre os temas do filme, há vários “sites” que se podem consultar:

  • O “site” do filme, onde se podem encontrar contextos históricos, para além das notas de produção;
  • O Artigo da Wikipedia sobre esta purga, onde se podem ler os diversos acontecimentos e intervenientes;
  • Um artigo do Jakarta Post, onde se diz que Anwar Congo vai processar o realizador por tê-los enganado.

O Melhor: A incerteza de tudo o que se vê, as dúvidas intrigantes que levanta.
O Pior: Há o risco de humanizar demasiado alguém responsável por matar centenas de pessoas com as próprias mãos.


João Miranda

(crítica originalmente escrita em abril de 2013)

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