Sexta-feira, 26 Abril

«Lacrau» por João Miranda

Dão uma câmara a alguém que se entretém a filmar o que vê da janela e a terra de onde vêm os pais. Esta podia ser a história de Lacrau, mas não é. Na realidade Lacrau não tem nem quer ter história. Se durante metade do filme ainda pensei que pudesse haver um fio condutor (os formatos de filme utilizados para afastar duas formas de vida tão distintas como a urbana e a rural, o som desenhado de forma a construir o ambiente e reforçar essas diferenças), esse fio desapareceu no quarto final da fita e nada ficou a não ser as experiências de João Vladimiro (que realiza) unidas com cuspo e com música pretensiosa como banda sonora.

Cada vez mais estou convencido de que o problema vem das escolas de cinema: passam tantos anos a verem os seus exercícios e os dos colegas como cinema, que acreditam que é cinema os exercícios académicos que fazem. Só que esses exercícios académicos têm um público muito limitado: outros académicos que pensam como eles e os familiares orgulhosos e dispostos a apoiar o que quer que seja (apesar do embaraço de não compreenderem o que vêem e de não o poderem dizer, com medo de passar por brutos).

Muitas vezes tenho a discussão de que tem de haver vários tipos de cinema. Muitas vezes a maneira que tenho de falar (e de escrever) dá a ideia de que estou convencido que só eu tenho razão e que só o cinema de que gosto devia existir. Não é verdade. Se só existisse cinema de que eu gosto, haveria muita gente infeliz com isso, mesmo com um gosto abrangente como o meu, mas pergunto-me: existe cinema sem público? Estes exercícios académicos devem mesmo sair das salas de aula e ser apresentados ao público?

O Melhor: É um bom exercício académico.
O Pior: É um mau filme.


João Miranda
(Crítica originalmente publicada em abril de 2013)

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