Sábado, 20 Abril

«Centurion» (Centurião) por José Pedro Lopes

Estamos no ano de 117 e a expansão do império romano já chegou à Bretanha onde se depara com a tribo dos Pictos (que habitava a região nos dias de hoje conhecida como a Escócia). Liderada por Quintus Dias, a nona legião perde constantemente homens nas terríveis ofensivas dos Pitcos, que usam a seu favor o seu grande conhecimento do terreno e das condições atmosféricas difíceis da região. Os romanos são vítimas de uma derradeira emboscada, criada por Etain, uma picta muda que auxiliava os romanos mas se revelou uma traidora. Reduzidos a poucos homens, os centuriões lançam-se numa derradeira missão onde vão tentar entrar no território inimigo e resgatar o líder da Nona Legião.

Da ‘Splat Pack‘ (vaga de novos realizadores do cinema fantástico que surgiu nos anos 2000), Neil Marshall é dos que mais depressa conseguiu o estatuto de culto. Muito graças a ter feito o arrepiante filme de terror The Descent no rescaldo do sucesso indie da sua estreia Dog Soldiers – um filme de ação, terror e alguma comédia que conquistou festivais. À terceira, assinou o desequilibrado Doomsday, um filme de ação pós-apocalitico num registo muito próximo do cinema de durões do ícone de culto John Carpenter (refirmo à sua vertente que inclui ‘Escape from New York‘ e ‘Big Trouble in Little China‘).

Agora com mais orçamento, Marshall volta a apostar na tal vertente de filme de ação violento cheio de personagens duras de roer com ‘Centurion‘. Verdade seja dita, a casa está bem mais arrumada no seu quarto filme, que conta uma excelente fotografia que bebe luz dos cenários naturais da Escócia e sequências de ação cheias de ‘gore’ e loucura. Um crítico do Rotten Tomatoes descreveu ‘Centurion‘ como “Gladiator se fosse realizado por Freddy Krueger“. Concordo totalmente.

Uma vez mais, Marshall escreve, realiza e volta a colocar a Escócia num caos. Se em ‘Dog Soldiers‘ estava cheia de lobisomens militares e em ‘Doomsday‘ era o refúgio de condenados, em ‘Centurion‘ é a única porção da Europa que os romanos não conseguem conquistar devido ao clima e aos guerreiros locais, os Pictos. Marshall inspirou-se na lenda do desaparecimento da Nona Legião para escrever esta história, no entanto, o filme não é de todo um filme histórico nem em termos de factos nem em termos estéticos.

O Neil Marshall realizador de terror é mais hábil que o Neil Marshall realizador de ação, isso já havíamos visto em ‘Doomsday‘. Talvez porque ele pensa sempre como um cineasta do fantástico: ‘Centurion‘ dá prioridade aos saltos e aos ‘gore’ festivo do que ao realismo das lutas e os seus vilões são bem mais cuidados e imaginado que os seus protagonistas. O sempre competente Michael Fassbender (‘Inglorious Basterds’) tem aqui muito pouco com que trabalhar no papel principal, especialmente porque as atenções são roubadas por Olga Kurylenko como a muda assassina Etain.

Isto não seria um problema se ‘Centurion‘ fosse organizado como ‘Apocalipto‘ de Mel Gibson: como uma mera corrida pela sobrevivência e sucessão de confrontos vistosos. Mas Marshall decide arriscar ter mais profundidade e dramatismo e as suas personagens subdesenvolvidas traem-no nessa frente. O filme quebra frequentemente de ritmo e quando a Etain desaparece de cena o relato torna-se banal. Uma pena, considerando o desfecho que não consegue a eficácia que a sua construção visual pretendia.

O argumento de Marshall chega a tocar ideias interessantes: os heróis são os romanos mas, vendo bem os factos, as vítimas são os Pitcos e as povoações invadidas. A motivação de Etain em querer destruir os romanos é bem mais forte que a justificação do centurião Quintus Dias em resgatar o seu líder.

Neil Marhsall apenas confirma assim o seu estatuto de cineasta de culto dos anos 2000. Começou com duas obras de culto, mas agora já merecia estar à frente de uma grande e vistosa produção, pois a sua ambição já circula aí. Talvez ‘Centurion‘ conseguisse ser tudo o que ele queria se tivesse um orçamento ainda maior ou com um argumentista que não ele. Mesmo assim, esta é uma obra a ver, especialmente para os que apreciam um filme passado na era das espadas e dos cavalos onde as batalhas são sujas e violentas. E que gostam de mulheres fatais: Olga Kurylenko será um nome a seguir.

O melhor: Olga Kurylenko como Etain, uma pitca muda com instinto de predadora.
O pior: A falta de profundidade das personagens principais.


José Pedro Lopes
(Crítica escrita e publicada a 7 de outubro de 2010)

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