Sábado, 27 Abril

«Volver» (Voltar) por Rita Almeida

Volver”, o último filme de Pedro Almodóvar, começa com um batalhão de mulheres num cemitério limpando campas fustigadas pelo vento. É também o vento que faz mover os moínhos da paisagem rural de La Mancha. Em “La Mala Educación” (2004), Almodóvar resgatava alguns episódios da sua juventude, em “Volver” ele recupera momentos, lugares e emoções prévias à sua chegada a Madrid. Almodóvar fala da cultura da morte no meio rural, do estranho mas pacífico convívio com mortos que acabam por nunca desaparecer da vida dos seus entes-queridos.

Raimunda (Penélope Cruz) tem vários empregos para sustentar uma casa, um marido desempregado e uma filha adolescente, Paula (Yohana Cobo, “El Séptimo Día”). A irmã de Raimunda, Sole (Lola Dueñas, “Mar Adentro”), separada e parecendo estar condenada à sina do seu nome – Soledad – ganha a vida como cabeleireira ilegal. A mãe de ambas, Irene (Carmen Maura), moreu num incêndio juntamente com o seu marido.

Depois de três filmes marcados pelo drama, Almodóvar regressa ao humor, que nele nunca é estado puro, num filme que declara o seu amor às mulheres. Mais do que em qualquer outro, a presença das mulheres neste filme é esmagadora. “Volver” é sobre a sua força, sobre a vida que lhes resta quando os homens as abandonam e as desprezam, sobre o seu sofrimento, o seu carinho e compreensão, o seu entendimento secreto e a sua solidariedade. Fortes e vulneráveis, carnais e sentimentais, elas são mães, filhas, irmãs, vizinhas e amigas. A todas elas, Almodóvar dá a dose adequada de humanidade, com os desabafos e os pequenos absurdos da vida real. E aqueles beijos sonoros, zeus, que delícia!

As actrizes, sem excepção, estão irrepreensíveis. Penélope Cruz tem aqui o seu melhor papel, numa imagem a la Sophia Loren, mas que nos deixa a questionar onde terá ela dinheiro para aquele guarda-roupa (já para não falar de onde estava escondido aquele decote indecoroso?, nunca uma panorâmica de um decote desviou tanto a atenção de uma arma). Aliás a estética da donna italiana é reforçada quando a personagem de Carmen Maura vê na televisão o filme ”Bellissima” (1951), de Visconti. Uma Carmen Maura que, voltando a trabalhar com Almodóvar após “Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios” (1988), está perfeita como esposa despeitada e mãe dedicada, com extrema fluidez na passagem da comédia ao drama.

As cores e a fotografia de Jose Luis Alcaine enchem os olhos, infelizmente o som não enche ouvidos, parecendo ter sido todo gravado a posteriori e mal sincronizado.

Mas Almodóvar sabe o que é contar uma história. Com “Volver” ele pisca nitidamente o olho a Hitchcock. E apesar de ameaçar várias vezes o cliché não se deixa cair nele, construindo uma espécie de thriller sobrenatural que testa a nossa capacidade de nos deixarmos levar pelas emoções. E que bom é deixarmo-nos ir! ….

 
Rita Almeida

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