Quarta-feira, 24 Abril

«Odete» por Carlos Natálio


Odete” é a segunda longa metragem de João Pedro Rodrigues. Depois do interessante e esteticamente irrepreensível “O Fantasma”, o realizador decide dar corpo a um drama que trabalha a ausência. A partida de pessoas em quem depositamos parte importante da nossa vida e seus pequenos rituais. 
É com a morte de Pedro (João Carreira) num acidente de viação que o filme abre. Ele deixa um namorado, Rui (Nuno Gil), que não sabemos até que ponto estaria prestes a deixá-lo. Paralelamente, Odete (Ana Cristina Oliveira), menina dos patins num hiper-mercado, acaba uma relação com um segurança do mesmo estabelecimento. Tudo porque ela quer ter um filho e ele não está “praí virado”. Até aqui tudo bem.

Depois João Pedro Rodrigues decide fragmentar a narrativa e elidir umas quantas relações causais. De repente, Rui não consegue lidar com a morte do namorado, que afinal muito amava e incredulamente Odete fica obcecada pela morte de Pedro, seu vizinho. Insiste que está grávida dele e passa o tempo a dormir na campa do suposto pai da criança, a acender velinhas e a rebolar-se na terra do cemitério. Quanto a este esquema, é bom de ver que só resta aos dois “viúvos” unirem os trapinhos.

O problema é como tudo isto é conduzido. Sob o epíteto de uma “realismo fantástico”, ou de uma homenagem ao melodrama, as emoções destas personagens (que quase não temos tempo de conhecer), são destilados em sacos de lágrimas, berros histéricos e comprimidos para o suicídio. Em cinema os milagres até existem, têm é de ser trabalhados. É se calhar por isso, que a excessividade emocional que conhecemos em tantos expoentes do melodrama, de Minelli a Sirk, é aceite contratualmente pelo espectador. É uma convenção que se apoia no desenvolvimento das personagens.

Ora, em “Odete” esse exacerbar da emoção é-nos dado num vácuo, uma vez que não percebemos quase nada acerca daquelas pessoas, o que as motiva. Precisávamos pelo menos do suficiente, para aceitarmos que estas se lancem sobre caixões de vizinhos falecidos, ou que, em cuecas, tentem suicidar-se com uma “macheia” de comprimidos, após verem o final de “Breakfast at Tiffany’s”. O resultado de lidar desta forma com terrenos tão sensíveis, não pode ser a comoção do espectador, mas sim destacar o ridículo e fazê-los rir. E posso dizer que muitos ataques de riso surgiram na sala a que fui assistir ao filme. A certa altura, o namorado de Odete, faz uma reentré narrativa, maquinal e fugaz. Após levá-la ao hospital, convencido que vai assumir a paternidade da criança, é informado pela enfermeira que se trata de uma caso de gravidez histérica. Aí diz: “Então está louca”. Toda a sala rebenta a rir. Ilustrativo.

É com pena que vamos assistindo à perpetuação de uma certa tendência do cinema português para associar seriedade dramática com fatalismo. Na ânsia de ser profundo cai-se no lugar comum que muito pouco, da realidade que se quer retratar, nos dá.

Apesar de tudo, destaque positivo para o olho cinematográfico do autor que nos dá planos liricamente irrepreensíveis e para as interpretações convincentes, no caos emotivo que é o universo deste “Odete”. …

Carlos Natálio
 

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