Um pequeno grande milagre: numa realização milimétrica, a realizadora austríaca Jessica Hausner consegue fazer um filme simultaneamente espiritual e cruel, hilariante e sério, antidogmático mas sem nunca ofender os católicos a quem o filme também se dirige. Seria muito fácil fazer uma sátira ou um “filme de fé” isolados. O milagre é ter os dois no mesmo espaço, controlados com uma contenção e uma atenção ao pormenor arrepiantes.
“Lourdes” é o local da acção. Para quem não conhece, é pensar no fenómeno Fátima, mas para os franceses. Nela acompanhamos um grupo de peregrinos, nos quais nos centramos em Christine (uma assombrosa Sylvie Testud, a merecer todos os elogios), uma jovem que sofre de esclerose múltipla, e à espera de um milagre – ser curada, e poder andar, e assim ser minimamente feliz, e amada. Em redor dela, temos um leque de personagens memorável: desde um par de senhoras “crentes”, mas que no fundo querem é o passeio e a fofoca – que todos nós conhecemos de gingeira de cá, a uma enfermeira-chefe com uma atitude acre que esconde segredos.
{xtypo_quote_left}certamente um dos melhores títulos vistos até à data em 2011 {/xtypo_quote_left}Tudo aqui aparenta ter uma mensagem mais ou menos implícita, uma crítica social mais ou menos silenciosa, e se as sequências inicialmente têm o seu ar redundante e de falta de “plot” na sua longa duração, o truque é continuar a viagem. Aos poucos, o puzzle compõe-se, e no final, e nos dias que se seguem, reparamos que acabámos de ver algo de muito especial. E queremos regressar.
“Lourdes” não será dos filmes mais “fáceis” de se ver numa temporada onde o calor convide a filmes mais “light” que não mexam tanto com a cabeça (talvez isso explique o facto de estar em exibição em apenas numa única sala do país…), mas em retrospectiva, é certamente um dos melhores títulos vistos até à data em 2011.
O Melhor: A realização milimétrica e Sylvie Testud.
O Pior: Ter sido visto por apenas 498 pessoas em 2 semanas de exibição… (sem contar com a antestreia, vá)….
| André Gonçalves |
