Quarta-feira, 24 Abril

«Doubt» (Dúvida) por André Gonçalves


O argumentista e realizador John Patrick Shanley (vencedor de um Oscar pelo seu argumento do filme “Moonstruck”) transporta a sua própria peça vencedora de um Pulitzer e um prémio Tony para o grande ecrã, com resultados francamente interessantes.

“Doubt” (“Dúvida”), como o título indica, fala-nos de uma dúvida permanente que é colocada. Estamos em 1963, numa escola católica do Bronx. Aí, um sacerdote mais liberal encontra-se na mira de uma directora conservadora e disciplinada, quando esta começa a duvidar das intenções do Padre com um dos seus alunos.  

Será o Padre Flynn realmente culpado de tais acusações? Ou estará a irmã Aloysius a querer expulsá-lo porque tem medo das mudanças que ele venha trazer à escola? A dúvida permanecerá até ao final.

Mesmo não tendo visto a peça original, esta adaptação vai mostrando claros sinais das suas origens. Porém, as palavras sumarentas de Shanley são igualmente dignas de serem vistas numa tela.

Shanley vai gerindo bem a ambiguidade o mais que pode para um filme que se quer manter “mainstream”. Por outras palavras, acaba por apoiar mais um lado do que o outro, ao vilanizar em demasia a personagem da irmã Aloysius. No entanto, mantém tudo em aberto para possíveis interpretações, o que é de salutar.

E quem se pode queixar quando se tem uma actriz como Meryl Streep em registo deliciosamente vilanesco? A actriz habituou-nos sempre a patamares de grandeza, e se esta não for das suas melhores performances (talvez pelo papel ser menos ambíguo do que precisava de ser, em parte), cumpre o que esperamos dela, pelo menos.

No papel de Padre Flynn, Philip Seymour Hoffman é absolutamente credível e tem oportunidade para ir também ele espremendo cenas, como bom actor que é. Amy Adams mostra-se adequadamente inocente e angelical no papel de irmã James, o que faz ponderar se consegue ou não interpretar uma figura diferente no futuro.  

Viola Davis, enquanto mãe do rapaz que pode ou não ter sido abusado sexualmente, tem o papel menor do elenco principal, mas apenas em duração. Dos quatro actores é quem mais merece estar nomeada ao Oscar, na minha opinião. Numa única cena de conversa privada com a irmã Aloysius, uma discussão que termina em lágrimas e nariz a fungar, a actriz consegue verdadeiramente brilhar. Como Streep disse no seu discurso de agradecimento do prémio Screen Actors Guild, alguém lhe dê um filme só para ela.

“Doubt” poderia ter arriscado ainda mais no seu tratamento da história e ser mais subtil e ambíguo na própria caracterização das personagens, é certo, mas talvez fosse pedir muito, dado que estamos ainda perante um filme disposto a fazer dinheiro e ganhar múltiplos prémios.

O resultado final torna-se ainda assim positivo e bem acima da média, e o espectador encontra aqui facilmente um filme sempre cativante e bem representado, e uma escolha essencial para esta temporada.

André Gonçalves

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