Quinta-feira, 28 Março

«Tropicália» por Roni Nunes

 
Um dos grandes momentos da cultura brasileira contemporânea retratada aqui numa vigorosa montagem de Marcelo Machado. Evento denso e sobre o qual muito já se escreveu no Brasil, o tropicalismo é retomado aqui sob uma ótica essencialmente visual, recuperando inúmeras imagens de arquivo e de filmes desconhecidas dos próprios protagonistas. Essa opção acaba por ser a grande mais-valia deste Tropicália, ao buscar documentos raríssimos e algumas verdadeiras relíquias, como uma curta-metragem de Gláuber Rocha de cuja existência pouco se sabia. 
 
Para o público português, a própria abertura do filme é surpreendente: uma entrevista de Raul Solnado e o hoje caído em desgraça Carlos Cruz num programa do final dos anos 60 a entrevistar os recém-exilados – e a caminho de Londres – Caetano Veloso e Gilberto Gil. Até pelo valor deste material, os depoimentos atuais com os principais protagonistas só entram na parte final do filme.
 
O tropicalismo, inseridos no contexto de contestação dos anos 60, encarna a famosa teoria “antropofágica” com que Oswald de Andrade introduziu a vanguarda artística no Brasil, em 1922. Essencialmente significa assimilação e transformação de matérias das mais variadas matrizes. Foi neste sentido que o movimento funcionou em termos criativos, engolindo, transformando e devolvendo uma música plena de energia e inventividade – para além de outras manifestações culturais. O seu enorme potencial revolucionário e renovador, em termos de política e comportamento, iria embater de frente com a tropa de choque do governo militar em plena ascensão. 
 
Como tantas vezes na história, a brutalidade vence, mas o que fica é a arte. 

Roni Nunes
(Crítica originalmente escrita em outubro de 2012)

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