Sexta-feira, 29 Março

«Eat Sleep Die» (Comer Dormir Morrer) por Jorge Pereira

O cinema é muitas vezes o espelho da alma e não é à toa que numa Europa em crise, os problemas da globalização, da austeridade e do desemprego se tenham tornado pontos nevrálgicos e centrais para os cineastas europeus focarem os seus projetos. No caso específico, essa crise mundial afectou a já de si complexa relação entre a Suécia e a sua própria imagem, onde o estatuto de país de emigrantes e asilados nunca foi completamente interiorizado pelos “nativos”.

Eat Sleep Die, da sueca Gabriela Pichler, conta de forma naturalista a história de Rasa (Nermina Lukac), uma sueca de ascendência balcânica que se torna – como Rosetta dos Dardenne – numa vítima da ordem económica e dos novos tempos. Entregue ao desemprego por motivos de «eficiência», pois sai mais barato à fábrica onde trabalhava contratar os recém-chegados, Rasa terá de confrontar-se com uma escolha dolorosa, a mesma que muitos trabalhadores consideram neste exato momento. Devem abandonar os seus familiares e amigos e partir para outras paragens em busca de um novo emprego, ou devem permanecer, sobreviver com pequenos biscates e sofrerem com a situação de desemprego crónico?

Gabriela Pichler, aqui na sua primeira longa-metragem, viaja então por uma temática universal, embora localizada e com a sua agenda muito própria. Em particular ela centra-se na história particular de Rasa, dando igualmente enfoque de forma refrescante na sua relação com o pai (Milan Dragišić), bastante atípica e assente em profunda camaradagem e não tanto na tradicional figura a que estamos habituados.

A própria cineasta diz na sua nota de intenções que fez um filme sobre pessoas que sempre adorou mas que por vezes lhe provocavam a ira por pertencer a esse grupo. O resultado final é impactante, quer no nível particular e enraizado da história de Raza, quer em termos de universalidade da temática (até no que diz respeito ao crescimento de ideias nacionalistas neste período). Se no primeiro caso somos atraídos pela história da mulher e a forma como ela vai respondendo às contrariedades e considerando opções, na mensagem global é bem transmitida a imagem de uma Europa angustiada e chorosa na busca da «eficiência» e da redifinição da sua identidade, sendo claro que ainda não sabe muito bem o que irá fazer para superar as adversidades e manter os seus principios democráticos e sociais. Com isto, Pincher contribui assim talvez para um dos mais importantes temas dos dias que correm: a redefinição da identidade europeia e de muitos emigrantes.

A escolha em apoiar-se em atores não profissionais serve também de mais valia para o realismo e humanização da ação e consequentemente numa maior facilidade do espectador em ligar-se a um drama que pode/ podia bem ser o seu.

O Melhor: Um belo ensaio sobre redifinição da identidade
O Pior: Nada a apontar


Jorge Pereira

(Crítica originalmente escrita em abril de 2013)

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