Terça-feira, 23 Abril

«Terra de Ninguém» por João Miranda

 

Terra de Ninguém” é o retrato contado na primeira pessoa de Paulo Figueiredo, um comando na Guerra Colonial, contratado mais tarde como mercenário e assassino. Ainda que um narrador não-confiável clássico (que o diga quem se sentava na fila à minha frente e de vez em quando exclamava irritado: “É mentira!”), as suas histórias têm tão grande especificidade que só podem ser baseadas na realidade.
 
Baseado em entrevistas efetuadas numa casa vazia durante quatro dias, a visão de Paulo é a de muitas pessoas que estiveram nas colónias e receberam uma educação conservadora, acentuada pela violência das acções nos Comandos durante a Guerra Colonial. Paulo tem uma moral muito própria que tenta seguir, mas evita sempre olhar para trás, revelando um conflito interno que tenta ignorar. A sua honestidade, por vezes misturada com um humor muito próprio, por vezes torna-se intimidante, outras vezes permite-nos rir, ainda que com algum desconforto.
 
O documentário tem uma estrutura estranha, com números a substituir perguntas, temáticas a dar lugar à cronologia das entrevistas e com um fim que poderia ter sido reduzido. A realizadora Salomé Lamas perde a oportunidade de, com mais pesquisa, cruzar a informação e obter imagens de arquivo para confirmar ou contrariar o que é dito. Em vez disso faz apontamentos pessoais (que mais valia serem lidos por outra pessoa, já a ela lhe parece faltar a energia ou a convicção) onde nos interpreta o que encontrou em alguns jornais.
 
Se este é um bom filme, é porque Paulo Figueiredo é uma personagem interessante e a sua história pessoal cruza a História Mundial. Se a realizadora não queria usar imagens de arquivo, mais valia usar só as entrevistas com Paulo, à imagem de El Sicario, vencedor há dois anos do Doclisboa.
 
O Melhor: Paulo Figueiredo, mesmo que nem sempre se possa concordar com ele.
O Pior: Os apontamentos da realizadora, a voz off, o fim.
 

João Miranda
Crítica originalmente escrita em outubro de 2012
 

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