Segunda-feira, 6 Maio

Feroz «Gully» incendeia Tribeca com radiografia da periferia

 Com o coração tomado pelo policial Crown Vic, produzido por Alec Baldwin, desde a sua projeção, na sexta-feira, Tribeca agora se vê às voltas com um novo amor, agora com o Brasil no seu DNA. Um dos maiores fotógrafos brasileiros dos últimos 20 anos, com uma carreira de respeito nos EUA, Adriano Goldman, é o responsável pela luz que ilumina as desgraças da desigualdade económica e da brutalidade racial em Gully. A exibição da longa-metragem dirigida pelo iraniano educado na Austrália e radicado nos EUA Nabil Elderkin ocorreu na manhã deste domingo em Nova York, no Village East Cinema: a plateia saiu abalada. Goldman, que fotografou filmes de culto como O ano em que meus pais saíram de férias (indicado ao Urso de Ouro em 2016), faz aqui o seu mais inspirado trabalho.

Classificado pela crítica como “o Boyz n the Hood (A Malta do Bairro) dos anos 2010“, Gully é a pérola de Tribeca, em 2019, desde que a atual edição do festival nova-iorquino começou, na última quarta. O filme de Elderkin é um soco no estómago, de uma fúria indomável. E, ao mesmo tempo, na sua ferocidade e inteligente conversação com a estética dos videojogos, essa amarga produção esbanja candura na sua reflexão sobre lealdade.

Calcado em uma febril aeróbica de câmara feita por Goldman, nos enquadramentos de Los Angeles, Gully é uma radiografia da vida na periferia a partir do amor que três amigos têm uns pelos outros, acima de tudo. A violência acossa o trio, mas dá a eles uma catarse contra toda a exclusão que os cerca. Nicky (o ótimo Charlie Plummer) é o único branco dessa turma: vai ser pai, no auge de sua adolescência. Já Jessie (o rapper Jacob Latimore) é um fã de skate que lida com a cobrança da sua mãe (a sumida Robin Givens) acerca da sua vadiagem. Por fim, há Calvin (Kelvin Harrison Jr.), o mais atormentado deles, maculado por anos de abuso sexual nas mãos de um homem branco (John Corbett). No meio de traumas, mágoas e o olhar quase angelical de um morador de rua (Terrence Howard), Calvin, Nicky e Jessie vão apelar para armas e drogas a fim de buscar a paz que nunca tiveram quando eram jovens. Amber Heard faz uma participação na fita.

No sábado, Tribeca recebeu o austríaco Christoph Waltz, duas vezes laureado com o Oscar (por Inglorious Basterds e Django Unchained), que fez aqui, em NY, a sua estreia na direção. É ele o realizador e o protagonista do irónico ensaio sobre a arte de mentir chamado Georgetown, com Vanessa Redgrave no elenco.

Prometo falar bem pouco sobre o filme, pois vocês são nova-iorquinos, logo, têm informação que sobra para entender o que tentei fazer“, destilou o ator/realizador.

Waltz vive em Georgetown, um pilantra profissional de origem germânica que se aproveita de uma jornalista nonagenária (papel de Vanessa) para subir de vida. Annette Bening interpreta a filha de Vanessa, que odeia o seu novo “padrasto”, hostilizando a personagem de Waltz o quanto pode. A trama é uma ciranda de idas e vindas no tempo, assumindo como base a morte da veterana repórter, encarnada com brio e charme por Vanessa, já nos primeiros minutos. O foco da narrativa é desfiar o novelo daquela morte.

Lançada na França no início do mês, o novo filme da atriz e diretora Anne Fontaine (Coco antes de Chanel, 2009), Blanche comme neige atropelou Tribeca no sábado: quem anotou a matrícula do camião viu nela um nome que é sinónimo de prestígio, o da diva Isabelle Huppert. Ela vive a madrasta má da jovem Claire (Lou de Laâge). Só que nesta revisão crítica – e feminista – de Branca de Neve, sem os Sete Anões, todas as ruindades que a heroína, no caso Claire, deveria sofrer ficam para segundo plano. O que conta aqui é a emancipação da jovem e a sua descoberta do desejo e da arte de mexer com a libido dos homens e mulheres. Dono de um humor ácido, a fita vem sendo aplaudida por seu revisionismo das discussões de género. É um “teaser” para o que promete ser o grande trabalho de Isabelle em 2019: Frankie, de Ira Sachs, que se passa em Sintra e tem Rui Poças como fotógrafo. Vai ser exibido em Cannes, na luta pela Palma de Ouro.

Ainda neste domingo, o Festival de Tribeca vê Margot Robbie atacar de gangster em Dreamland, de Miles Joris-Peyrafitte. A intérprete da vilã Harley Quinn vive aqui uma ladra de bancos no Texas da era da Grande Depressão e a recompensa para a capturar vale 20 mil dólares.

Abrilhantado neste domingo pela vinda de Francis Ford Coppola, para exibir uma nova versão de seu Apocalypse Now (1979), o Festival de Tribeca segue até 5 de maio.

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