Sábado, 18 Maio

Homenageado em Cannes, Stallone ganha documentário sobre seu legado

Mais improvável das arenas para o reconhecimento do valor estético do cinema de ação, o Festival de Cannes, na sua 72ª edição (arranca nesta terça-feira, dia 14, com a projeção da comédia zombie The Dead don’t Die, de Jim Jarmusch), vai se render ao filão de maior associação histórica com a truculência ao homenagear seu Rei Midas: Sylvester Stallone.

Aos 72 anos, a estrela, realizador, produtor e ícone pop vai conversar com o documentarista e escritor Didier Allouch, no dia 24, sobre o seu histórico de sucessos, em especial, os seus dois personagens de maior prestígio: o pugilista Rocky Balboa e o ex-combatente do Vietname John Rambo. Este último é a estrela do evento: após a conversa com Allouch, Sly (apelido do ator), exibirá cenas inéditas de Rambo: Last Blood, que vai ser lançado em setembro. E após esse footage, acontecerá uma projeção de Rambo – A Fúria do Herói (First Blood), de 1982.

Esse reconhecimento de Cannes ao prestígio de Stallone, que foi homenageado em 2009 pelo Festival de Veneza, coincide com sua consagração na franquia Creed, pelo qual ele ganhou o Globo de Ouro de melhor secundário em 2016, na pele de Balboa. A sua história está sendo revisitada pelos documentários John G. Avildsen: King of underdogs e 40th Years of Rocky – The Birth of a Classic, ambos do cineasta Derek Wayne Johnson. Neles, o documentarista faz uma revisão crítica do legado audiovisual de Stallone e os seus heróis de classe operária. A longa-metragem sobre a história de Rocky ficará pronto neste fim de ano. E já se especula um terceiro Creed, enquanto Sly batalha para levar ao ecrã um guião iniciado há quase quatro décadas, sobre o escritor Edgar Allan Poe (1809-1849), que sonha dirigir. Aí será a sua plena maturidade.

Derek Wayne Johnson e Sylvester Stallone

No passado mês de novembro, na revista Variety, o crítico Owen Gleiberman elogiou, na sua resenha, a discrição que marca a interpretação de Balboa, 43 anos depois do lançamento de Rocky, produção de US$ 960 mil que arrecadou US$ 225 milhões e ganhou os Oscars de melhor filme, realização (para John G. Avildsen) e montagem. Segundo Gleiberman, Stallona usa “um resmungo sincronizado e um brilho no olhar mais poderoso do que as suas palavras“. A Variety foi um dos primeiros veículos a divulgar o cartaz de Rambo 5, visto pela primeira vez nas paredes do próprio Festival de Cannes, à altura do Hotel Majestic, em maio de 2018.

Já rodado, o filme traz o ex-combatente do Vietname, John Rambo, no rancho da sua família, às voltas com um cartel de drogas do México. “Foi um trabalho duro, mas deu-me muito prazer chegar ao fim desta aventura“, disse Stallone em sua conta no Instagram, ao concluir as filmagens, em localizações na Espanha e na Bulgária, no meio do seu êxito comercial de Creed II nos EUA e na Europa.

Um dos mais ferinos críticos dos EUA hoje, A. O. Scott, do The New York Times afirma que “a retomada da franquia ‘Rocky’, focada nos dilemas e triunfos de Adonis Creed, representa a única série cinematográfica de heróis digna de atenção hoje“, elogiando o trabalho de Steven Caple Jr. na direção – tendo herdado o projeto do seu colega de universidade Ryan Coogler. “Os momentos de dor, de humor e de intimidade tornam Creed II, uma experiência sólida e satisfatória“, escreve Scott, destacando a colaboração de Stallone no argumento, que revisita a geopolítica de Rocky IV, fenómeno popular de 1985, com bilheteria de US$ 300 milhões, que lançou o pugilista russo Ivan Drago (Dolph Lundgren), de regresso aqui.

Raros foram os elogios colhidos por Stallone durante a sua carreira, com a exceção de Copland (1997), no qual interpreta um xerife às voltas com a corrupção de uma cidadezinha povoada de policiais corruptos. Os adjetivos que recentemente enalteceram o seu trabalho em Creed II fazem dele a estrela de thrillers de violência com melhor reputação em Hollywood. Colegas outrora famosos como Arnold Schwarzenegger e Bruce Willis hoje são tratados como peças de museu, incapazes de se posicionarem como protagonistas em produções nas quais o cinema popular aposte. Steven Seagal só faz filmes para a TV ou canais de streaming. Já Jean-Claude Van Damme voltou a ganhar prestígio com a série “Jean Claude Van Johnson” e o filme europeu Lukas, um dos destaques do Rendez-vous Avec Le Cinéma Français (realizado em janeiro, em Paris: um evento dedicado a promover longas-metragens francófonos). Mas em solo hollywoodiano, falta espaço para o Grande Dragão Branco. Mas sobre Stallone, os holofotes seguem acesos, até em ambiente académico.

Sylvester Stallone e o realizador John G. Avildsen em Rocky

Em meio à celebração dos 40 anos de Rocky, em 2016, as livrarias americanas receberam The Ultimate Stallone Reader – Sylvester Stallone as Star, Icon, Auteur, antologia de ensaios críticos organizada pelo professor Chris Holmlund, da Universidade do Tennessee, com o apoio de um corpo docente de teóricos das maiores faculdades dos EUA. O livro, ainda em destaque no mercado editorial aborda a simbologia do astro como herói.

O livro mostra que Avildsen foi incumbido pelos produtores Irwin Winkler e Robert Chartoff, em 1975, da tarefa de fazer do argumento de um desconhecido chamado Stallone um drama popular. Quando vendeu o seu guião (escrito em três dias e meio, em decorrência da emoção vivida após uma luta de Muhammad Ali vista na TV) para a United Artists, sonhando protagoniza-lo, Stallone ouviu muito “Não!” e “Não és o ator adequado” da indústria. Engravatados de Hollywood cobiçavam nomes mais famosos do que ele como potenciais escolhas para viver o Italian Stallion: os mais cotados eram Robert Redford, Ryan O’Neal, Burt Reynolds e James Caan. Mas ele bateu o pé: só venderia o argumento se o papel fosse seu. Winkler e Chartoff aceitaram a escolha. Valeu a aposta.

O primeiro ‘Rocky’ traz uma das cenas mais emblemáticas de redenção da História: no round 14, quando Rocky cai, todo mundo diz para ele continuar no chão, para não levantar, de tanto que se machucou, mas ele fica de pé, e clama por mais uma chance“, diz Derek ao C7nema. “A minha vida não teria sido a mesma sem essa cena. É um exemplo de superação que torna Balboa numa personagem inesquecível“.

Qual é o legado que Stallone construiu até aqui?

Derek Wayne Johnson: É o legado de três franquias de enorme sucesso – Rocky, Rambo e Os Mercenários (The Expendables) – todas pautadas por heróis humanos, verossímeis na sua condição física. Em cada uma dessas séries, ele criou modelos que alimentaram nas plateias ideais de superação. Essas personagens inspiraram-me muito na minha formação, desde criança, como espectador. E agora, ele surge como um mentor e amigo, influenciando o meu trabalho como storyteller.

Rocky (1976)

Qual é o foco de 40 Years of Rocky: The Birth of a Classic?

O nosso esforço é o empenho de compartilhar com o leitor um retrato íntimo sobre a feitura do primeiro Rocky nas palavras do próprio Stallone.

Qual seria a maior importância simbólica da figura de Rambo para a cultura pop, e como o legado dele se difere da mítica de Rocky Balboa?

Rambo representa a força e o valor dos nossos veteranos, mas também os pecados da guerra e o seu impacto sobre a sociedade. Como Rocky, Rambo é essencialmente um homem em busca de paz, com um instinto belicoso no seu coração. Embora essencialmente distintos em múltiplas latitudes, ambos os heróis compartilham essa conexão, pelos conflitos que estão na sua alma.

Em paralelo aos filmes ligados à mítica de Sly, está a preparar Stallone, Frank, That is, sobre o irmão do ator, um cantor famoso nos anos ’80. Qual é o foco desse projeto sobre o músico?

O que a minha equipa e eu buscamos foi jogar holofotes sobre um músico, compositor, intérprete e ator de muito talento, que entretém audiências há 50 anos, mesmo vivendo sob sombras gigantes. No documentário, vocês vão testemunhar as batalhas de Frank Stallone e vão conferir o quão talentoso ele é na música.

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