Terça-feira, 16 Abril

«Coisa Mais Linda»: emancipação feminina no Brasil dos anos 50

Apesar de muitos vezes parecer um registo telenovelesco de luxo mascarado de minissérie para os novos tempos de plataformas digitais, Coisa mais Linda, a nova proposta brasileira de 7 episódios da Netflix apresenta uma interessante história de perseverança e emancipação feminina no final dos anos 1950 (faz lembrar – de certa maneira -a série As Telefonistas), dando também destaque à força musical do Bossa Nova, que apesar de já ter tido vários nomes no feminino ligados a ele (Nára Leão, Astrud Gilberto, Gal Costa), é mais conhecido pelos seus ícones masculinos (João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes).

Em foco está Maria Luiza (Maria Casadevall), uma jovem de São Paulo que viaja para o Rio de Janeiro com o objetivo de montar um restaurante com o seu marido. Quando este desaparece e a deixa sem um tostão, esta mulher com um filho decide levar o seu sonho em frente e abrir o espaço de restauração com forte componente musical contra todas as expectativas.

Nessa jornada, e enquanto seguimos esta guerreira, acompanhamos igualmente a história de outras três mulheres confrontadas com dilemas morais e problemas de afirmação numa sociedade patriarcal extremamente redutora para o seu papel no dia a dia. Temos Adélia (Pathy Dejesus), uma empregada negra que trabalha no prédio do seu ex-marido; Lígia (Fernanda Vasconcellos), amiga de Maria que abandonou o sonho de cantar para se casar com um aristocrata com pretensões políticas; e Thereza (Mel Lisboa), uma mulher à frente de seu tempo que trabalha numa revista, cuja redação é composta essencialmente por homens.

É no conluio destas quatro mulheres, num movimento de verdadeira sororidade, que Coisa mais linda consegue o que tem de melhor, juntando as mulheres num bloco de empoderamento que ajuda cada uma delas a livrar-se dos seus problemas. É que Maria foi abandonada e roubada pelo marido, luta pelo sonho de ser proprietária de um clube musical, mas sente a pressão familiar de arranjar um novo esposo, cuidar do filho e ser uma “mulher de respeito“. Já Adélia é pobre, negra, lida com a exploração e o racismo no dia a dia, enquanto tenta educar a filha que é fruto de uma relação proibida com um antigo patrão.

Já Lígia sonhava cantar, mas a vida aristocrata do marido, as ambições políticas dele e o poder da sogra rebaixam-na a uma posição submissa de “mulher de família” onde a violência doméstica está sempre presente. E temos finalmente Thereza, que embora seja a mais emancipada do grupo, com trabalho e numa relação (aparentemente) saudável com o marido, terá de lidar com o desejo “proíbido” de uma paixão que vai contra a heteronormatividade da sociedade.

 

Um dos pontos altos desta produção é a reconstrução cuidada da época, com a direção artística, guarda-roupa e caracterização a transportarem todas estas personagens para os anos 50 no Brasil, uma época descrita como extremamente machista. O grande problema é que tudo por aqui é apresentado através de personagens e textos a maioria das vezes clichés, não faltando o autor atormentado que se autodestrói com o álcool, o galã mulherengo que insiste constantemente em conquistar as mulheres com os seu poder material, o homem abusivo dominado pela mãe e o homem emocional, que embora bem casado nunca esqueceu uma paixão antiga.

No final temos assim uma série/novela que sobrevive nos mínimos (cenas tórridas de sexo afastam do registo banal das novelas para massas), mas que podia dar mais espessura e ambiguidade às suas personagens e textos para além dos lugares comuns.

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