Quinta-feira, 25 Abril

Série documental sobre Madeleine Mccann vai muito além do caso de polícia

A série documental de 8 episódios da Netflix vai muito além da investigação criminal

À primeira vista parecem excessivos os oito episódios desta nova série documental da Netflix, O Desaparecimento de Madeleine Mccann, mas no final das contas, uma boa orquestração na montagem, seleção de material de arquivo, múltiplas entrevistas, recriaçãos  e a “pesca” de muitos tópicos que vão para além do caso em si, fazem um bom ponto de vista abrangente de todo o caso. A começar na forma como a polícia portuguesa e inglesa agiram e ainda agem, o modo como a imprensa – muitas vezes manipulada – moldou a imagem de Kate e Gerry Mccann e de todos os outros nomes envolvidos perante o público, e como a esperança é a última a morrer na descoberta da verdade.

Construído na forma de um sedutor thriller de investigação, primeiro seguimos uma narrativa que aos poucos nos leva até à responsabilidade do casal Mccann no desaparecimento da criança (seguindo a teoria de Gonçalo Amaral, da PJ, que ainda hoje defende isso), para a seu tempo abandonar progressivamente essa linha de pensamento, ilibando-os e até apontando o dedo à imprensa por terem moldado a opinião pública em relação ao caso, a partir de provas forenses que se vieram a revelar – ou falsas – ou inconclusivas.

Mas vamos por partes…

O Desaparecimento de Madeleine Mccann

O primeiro episódio desta série documental narra o desaparecimento da pequena criança de três anos na noite de quinta-feira, 3 de maio de 2007, quando estava num apartamento na Praia da Luz, Algarve, Portugal, onde tinha sido deixada sozinha pelos pais com os seus dois irmãos.

A atuação dos pais e da polícia, bem como a entrada do jornalismo em cena, é vista com pouco detalhe, embora prime o sentimento de que GNR e PJ chegaram tarde demais à cena do crime. Quando as forças da lei chegaram foi o caos. O apartamento dos Mccann estava contaminado por dezenas de pessoas que passaram pela casa, nessa mesma noite, o que viria a dificultar os procedimentos posteriores na análise de um local, que já por si seria difícil, já que era um espaço alugado a muita gente e onde o pessoal de limpeza do aldeamento turistico tinha acesso.

Os bloqueios nas estradas, ou a falta deles, são também mencionados, dando a clara sensação pelos diversos testemunhos que a nossa polícia, apesar de ser considerada das melhores do mundo, não estava preparada para investigar este tipo de crime, para além de ter meios muitos limitados na região do Algarve.

Seguimos depois para o primeiro suspeito do desaparecimento da menina, Robert Murat, britânico que vivia na área e que inicialmente serviu de tradutor entre os ingleses (turistas, familiares ou amigos dos Mccann) e a polícia portuguesa. De tradutor a pessoa estranha – que parecia querer dar nas vistas – a suspeito e arguido foi um passo. Com essa suspeita, arrastou-se também o nome do russo residente em Portugal Sergey Malinka, o qual – segundo as suas palavras – apenas tinha uma relação profissional com Murat por lhe ter construído um site. Uma chamada entre os dois na noite do desaparecimento da pequena foi também suficiente para o ligar ao desaparecimento. Resultado? Casa invadida, computadores arrestados, ele detido. Os discos rígidos apagados em computadores que tinha na sua casa, que diz serem de alegados clientes, inspiram a imprensa a teorizar sobre redes de pedofilia online e no seu envolvimento.

O Pacto de Silêncio

Nesta fase, a teoria que vigorava era ainda a do rapto, mas foi com a entrada das jornalistas Margarida Davim e Felícia Cabrita em cena, num artigo chamado Pacto de Silêncio, que os olhos da imprensa começaram a dirigir-se mais para os pais, em particular porque o duo de profissionais encontrou inconsistências nos relatos dos Mccann e dos seus amigos com quem supostamente tinham jantado no Oceans Club, isto enquanto – diziam eles – iam à vez verificar as crianças do grupo aos vários apartamentos onde estavam alojados.

Aqui, e cada vez mais, sente-se a pressão mediática do caso, com a imprensa a não largar os principais envolvidos, os Mccann a recorrerem a serviços de agências de comunicação, e a existirem guerras fomentadas pela própria imprensa – de qual seria a melhor polícia para investigar o caso: a portuguesa ou inglesa?

Gonçalo Amaral é fortemente visado de acusações na imprensa britânica. “Chamaram-me gordo, bêbado, etc“, explica, abordando também a pressão interna que havia sobre a sua chefia, sem dúvida um resultado da pressão política exercida por pessoas como o primeiro ministro britânico da altura.

Menciona-se também o caso do jovem Rui Pedro, também ele desaparecido, mas ao contrário da menina inglesa, sem um décimo da atenção sobre o seu caso; fala-se de Wonderland, uma rede de pedófilia com forte implantação na internet; de um casal que viu uma menina loura como Madeleine na manhã seguinte do desaparecimento numa bomba de gasolina marroquina; e dos célebres cães que chegaram a Portugal para ver se no apartamento dos Mccann havia algum tipo de cheiro a Cadáver ou a Sangue.

Os Mccann constituídos arguidos

Foi por estas alturas que a teoria do rapto se esmoreceu e a PJ segue a linha de investigação que aponta para a responsabilidade dos pais. A primeira desconfiança, explica Gonçalo Amaral, veio de uma janela, que Kate disse estar aberta quando descobriu que a filha desapareceu, mas que os polícias encontraram com os estores fechados quando chegaram ao apartamento. Nessa janela, a única impressão digital presente era a de Kate. Esta inconsistência, aliada a outras, levou Amaral a falar de encenação de um crime e fomentou a linha de investigação ao casa Mccann , que tornam-se suspeitos e são duramente interrogados pela PJ, isto enquanto a imprensa “castiga-os” com a questão do abandono da filha enquanto jantavam com amigos. Aqui há igualmente um grande enfoque na questão cultural, e se deixar ou não os filhos sozinhos separava o estilo de ser de uma mãe anglo-saxónica de uma mãe portuguesa.

Suspeitos e constituídos arguidos, os Mccann regressam ao Reino Unido, mas aos poucos as provas que foram avançadas como certezas começam a cair, em especial as forenses, que ligavam o odor a cadáver e a presença de sangue, não só ao apartamento do casal, mas a peças de roupa da criança, a um peluche e a um carro que os Mccann alugaram 25 dias depois do desaparecimento.

Gonçalo Amaral crê – explicitamente – que o corpo foi ocultado, “provavelmente guardado no frio“, e transportado depois. Mas com tanta atenção mediática e perseguições jornalistas ao duo, seria essa hipótese possível? Pois, entra então em cena outro caso que abalou o Algarve na década de 2000: o caso Joana Cipriano, que Gonçalo Amaral também liderou e que levou à detenção da mãe da jovem, de um tio e a outro processo por alegada tortura para obter a confissão por parte de Gonçalo Amaral.

A queda de Gonçalo Amaral…

Com a queda das provas contra os pais de Madeleine, e com o alegado sangue e os marcadores de DNA a poderem pertencer a qualquer familiar dos Mccann, Sandra Felgueiras, jornalista que acompanhou desde o início o caso, fala em mentiras que lhe foram transmitidas na época pelas suas fontes na PJ, com Gonçalo Amaral à cabeça.

Amaral nega tudo, diz que as investigações às provas forenses feitas no Reino Unido foram “manipuladas”, e afirma que nunca falou com Sandra Felgueiras nem lhe divulgou “detalhes” do caso.

Com a teoria da morte acidental e ocultação de cadáver de Madeleine esbatida pela falta de provas, Gonçalo Amaral é afastado do caso. Kate e Gerry deixam de ser arguidos e o caso esmorece e é mesmo arquivado em Portugal até surgirem novos elementos que pudessem indiciar uma nova linha de investigação.

No Reino Unido, e pelo contrário, o caso é entregue a uma unidade especial da Scotland Yard, que faz novas descobertas e tenta seguir algumas linhas de investigação a partir de todo o material arquivado pelas autoridades portuguesas sobre o caso.

O regresso à tese do rapto

Após um desastre na investigação privada em 2008, quando os Mccann contrataram a Oakley International, uma empresa liderada pelo falecido investigador privado Kevin Halligen, mais tarde acusado de fraude por nunca ter sido realmente um investigador certificado, voltamos a este universo com a entrada em cena da empresa espanhola Método 3, que se envolveu nessas buscas através de meios muitas vezes obscuros (e até ilegais, pelo menos em Portugal), que conduziram a novos suspeitos. Tudo financiado por um milionário, Brian Kennedy, que entrou em cena quando as policias portuguesas e inglesas pareciam entrar num impasse ou no arquivamento do caso.

Entretanto, de todo o lado surgem notícias de avistamentos da pequena Maddie. Milhares e milhares de denúncias, vindas de 42 países. Uma desenhadora que trabalha para o FBI entra em cena no contacto com uma mulher que na noite do crime viu um homem a carregar uma criança ao colo nas imediações do Ocean’s Club. Esse retrato, agora mais detalhado mas sem marcas faciais distintas, abriu novas linhas de pesquisa.

A partir daqui, e até ao final do documentário, vemos com essa empresa espanhola, no meio da investigação do caso Madeleine, deu de caras com uma rede de pedofilia online, recolheu informação sobre ela e entregou o achado à polícia. E segue-se, derradeiramente, a linhagem da esperança para o caso, bem como a mensagem de que as forças da lei europeias devem seguir mais o modelo americano de nunca arquivar um caso de desaparecimento.

Temos de deixar de pensar na imagem da Madeleine antiga e pensar na de agora”, diz-se a certo ponto, mostrando com a tecnologia pode prever como a pequena rapariga agora pode aparentar.

Casos em tribunal que opuseram os Mccann, Murat e muitos mais contra várias notícias publicadas ao longo deste tempo são resolvidos nos tribunais britânicos. Para além de terem sido condenados vários órgãos da comunicação social, foi ainda aberto o debate aos limites da imprensa nestes casos.

Notícias