Sexta-feira, 19 Abril

Alien: quatro décadas de um legado de horror e ácido

Aos 81 anos, envolvido com um projeto sobre a Roma antiga (uma espécie de sequela para o seu oscarizado Gladiador) e com um épico sobre a formação política da Inglaterra, o diretor Ridley Scott comemorou na sexta o aniversário de um marco da ficção científica que representou um ponto de apogeu da sua irregular carreira: o 40º aniversário de Alien – O oitavo passageiro.

No meio de uma maratona de produções autorais de novos cineastas de diferentes nacionalidades – como Eva Ionesco (Une jeunesse dorée), Hans Weingartner (303), Zhang Yimou (Shadow) e Olivier Assayas (Vidas duplas) – o Festival de Cinema de Miami encontrou um espaço para celebrar as quatro décadas de um monstro milionário no dia 8. Foi em 1979 que a criatura de saliva ácida, inspirada em pinturas e referências gráficas surrealistas do suíço Hans Ruedi Giger (1940-2014), chegou aos ecrãs pela primeira vez, faturando cerca de 104 milhões de dólares – cerca de nove vezes mais do que seu custo de produção. Era um tempo assolado por Star Wars, que estreou em 1977, fazendo Hollywood desejar tramas espaciais a granel. Eis que Scott somou, com competência invejável, dois filões: sci-fi e filme de monstro. Nasceu ali um fenómeno.

Quando a Fox idealizou o projeto, realizadores como Peter Yates, Jack Clayton e Robert Aldrich foram considerados como potenciais pilotos para a jornada espacial da tenente Ripley, papel que celebrizou Sigourney Weaver. Mas o argumentista Dan O’Bannon e os produtores precisavam de um jovem talento com mais estilo, para impedir que o projeto de 11 milhões de dólares pudesse parecer um filme B. Eis que o sucesso de The Duellists (1977), que deu Ridley um prémio de melhor filme de estreia em Cannes, fez desse publicitário britânico a escolha precisa. Parte de seu processo de seleção para a longa  metragem foi revisitado na sexta-feira, na projeção de gala que Miami preparou para comemorar os 40 anos de Alien e seu o legado. Afinal, é graças a ele que hoje existem filmes como Captain Marvel, que estreia nesta quinta com a promessa de virar a sensação desta temporada no box-office.

Somando-se as receitas dos seis filmes da série Alien, mais os dois (desastrosos) derivados nos quais o Predador é o algoz, totaliza-se uma receita de 1,5 mil milhõs para os cofres os cofres da Fox e da própria ficção científica, que tem no monstrengo uma mina de ouro, mas também de controvérsia. Controvérsia essa que Ridley poderia comentar caso se confirmasse a sua esperada participação no Festival de Miami, ao lado de Sigourney.

O que existe nessa franquia de mais precioso (ou melhor, de perverso), nestes tempos de Donald Trump no Poder nos EUA, é o refinado tratamento que o veterano diretor inglês dá à questão dos “estrangeiros”, das invasões bárbaras, não esquecendo que tudo nesta marca milionária começou com a ideia do oitavo passageiro, ou seja, do intruso de outra nacionalidade.

 

No filme original, uma obra-prima sci-fi com ecos de terror, uma nave com sete tripulantes dava conta de um membro número oito, de outra origem territorial, que ali entrava para explorar os “recursos naturais” da embarcação – ou seja, comer e se reproduzir. Foi uma abordagem politizada, embalada numa direção de arte sofisticada, que acabou sendo coroada com um Oscar de cenografia.

O seu lançamento deu-se em dias de extrema direita na América. Era o fim dos anos 1970, encerrados numa ressaca de ideologias e desbunda. Nada mais adequado, portanto, do que um filme carregado da paranoia que ditaria as regras da política nos anos seguintes: invadir sempre que possível; ser invadido, nunca. É um período em que a América vira um porto para os degredados cubanos e para desertores eslavos. Mas qualquer presença “alienígena” é um sinal de alerta. Hollywood e a TV até apostam nos alienígenas “do Bem”, tipo o ET de Spielberg e Alf, da série homónima de TV. Mas mesmo eles são ilegais, causam alarde, mudam regras, quebram normas de conduta. Eram tempos de Reagan. Agora são tempos de Trump. Há semelhanças, vis simetrias. Eis o Alien de volta, para fazer o trabalho sujo de nos lembrar que a ameaça maior é biológica, viva. E, por outro lado, menos visível, indicar que esta “sensação de ameaça” é um traço xenofóbico, racista, totalitário. Nada mais adequado, no meio ao totalitarismo atual, do que o seu regresso aos cinemas. Depois de Miami, a fita vai rodar alguns festivais. Estima-se que vá integrar o menu da seção Cannes Classics, em maio, antes de regressar ao circuito. E há quem diga que Ridley tem uma nova sequela a caminho. Faz sentido: a fome de Alien é grande. Só não é maior que o seu prestígio popular.

De boleia na celebração dos 40 anos da franquia Alien nos cinemas, a Dark Horse Comics encomendou ao escritor Brian Wood uma nova série baseada na criatura alienígena que cospe ácido tendo uma heroína negra como protagonista, para substituir a tenente Ellen Ripley e para ampliar a representação de afrodescendentes nas bandas desenhadas. Entra em cena a fuzileira naval Zula Hendricks, uma jovem que já participou de expedições espaciais e sabe o risco de se usar os aliens como armas biológicas.

O Festival de Miami termina neste domingo. Do Brasil, o evento vai exibir os longas Divino amor, de Gabriel Mascaro; Domingo, de Clara Linhart e Fellipe Gamarano Barbosa; e Sócrates, de Alexandre Moratto; além dos curtas O órfão, de Carolina Markowicz, e A lua nunca morre, de Mariona Lloreta.

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