Sexta-feira, 29 Março

Comédias francesas para aquecer 2019

 

E se a cultura puder salvar o mundo rural? É a questão que se impõe na mais recente vaga de comédias francesas. No ano passado já assistimos a Normandie Nue (Tudo a nu na Normandia), onde uma pequena comunidade vê na presença de um fotógrafo internacional a chance de ser ouvida e salvar a sua economia.

Agora, e diretamente do festival de comédias em Alpe d’Huez, cuja 22ª edição terminou no passado domingo (15 a 20/01), o filme Roxane coloca um explorador de um aviário (Guillaume de Tonquédec) na Bretanha a tentar salvar o seu negócio do colapso através do teatro, procurando com os seus atos dar visibilidade à sua situação precária. As galinhas são o elenco, Roxane (uma galinha) é a “atriz” fetiche deste “encenador”, e Cyrano de Bergerac a peça em foco.

A realizadora em estreia nas longas-metragens, Melanie Auffret, é uma bretã, nascida em Vannes, mas que aos vinte anos seguiu para Paris para estudar cinema: “Os meus avós eram agricultores e exploravam vacas leiteiras perto de Corlay, onde passei a maior parte do meu tempo livre“, explica, acrescentando que o que permitiu avançar para esta longa-metragem foi o sucesso da sua curta-metragem Sois heureuse ma poule, que se passa no mesmo universo de Roxane. Nela, um agricultor anunciava às suas aves que uma lei aprovada obrigava todas as pequenas propriedades a terem o estatuto de exploração industrial. A notícia não é bem recebida pelos animais, que deixam de produzir ovos...

Realizada com um orçamento de mil euros, a curta chamou a atenção de produtores e depois do sucesso, veio a pressão para um novo trabalho. Melanie procurou novamente na Bretanha uma ideia e quando estava com um criador local de vacas, este confidenciou que frequentemente recitava textos de teatro aos animais durante a ordenha. Imediatamente surgiu a ideia de Roxane, um filme com objetivos e ideias muito claras: “O meu objetivo era acima de tudo contar a história de um homem que está prestes a perder sua exploração, mas que não se resigna e quem tenta ser ouvido de uma maneira diferente, para mudar o curso das coisas“, diz a jovem cineasta, que acredita que o seu filme serve também para mostrar “a bela relação de proximidade que tecem esses camponeses com seus animais“. 

Já para o ator Guillaume de Tonquédec, conhecido o publico português pelas comédias Coexistir Não é Fácil e O Nome da Discórdia, este é um conto verdadeiramente poético: “Este homem silencioso que vibra em segredo pela literatura é emocionante. É um homem que se sente mais confortável junto dos animais do que das pessoas. O Raymond tem essa paixão secreta e precisa declamar versos, mas ele fá-lo às galinhas porque sabe que não será julgado por elas. Este complexo relacionado ao facto de não ser uma pessoa com estudos, esse sentimento de não ser legítimo enfrentando a cultura, é tocante, mas quando sabemos que essa abordagem é inspirada numa história verdadeira, torna-se esmagador.

O regresso de Lisa Azuelos

Dez anos depois de Lol (que teve direito a remake americano), Lisa Azuelos regressa aos relacionamentos mãe-filha com Mon Bébé, filme que venceu o festival de Alps d’Huez e que viu ainda Sandrine Kiberlain (Quando se tem 17 anos) ser consagrada como a melhor atriz.

No filme ela é Heloise, mãe de três filhos. Jade, a sua “mais nova”, o “seu bebé”, completou dezoito anos e logo deixará o ninho para continuar os estudos no Canadá. Esta é uma crónica terna e humorística de uma mulher que chega a um ponto delicado da sua existência, um período de viragem. “Tenho interpretado frequentemente heroínas burlescas ou muito sérias, ou então personagens de filmes de autor mais elaborados, mas raramente [interpreto] a mulher “normal”, enraizada na realidade. Heloise é uma mulher de hoje, multifuncional, que faz o que pode com o seu trabalho, os seus filhos … E o tempo que passa. Eu sempre pensei que os projetos seguem as nossas vidas, que nunca chegam completamente por acaso, e quando recebi o guião, eu também tinha uma nesta fase, pronta para voar … Isso mexeu comigo instantaneamente!”, afirmou Kimberlan sobre a empatia imediata com o projeto e personagem.

Diretamente inspirada na vida da cineasta, que confiou o papel de Jade à sua própria filha, Thaïs Alessandrin, Azuelos diz que é assim que trabalha: “Não tenho imaginação, mas quando algo acontece comigo importante, eu agarro na minha vida, torço e vejo o que resta! A minha sorte é que quanto mais eu falo sobre a minha vida, mais as pessoas sentem que estou a falar delas.

Mon Bébé será distribuído em Portugal pela Cinemundo, estando programada a estreia em junho.

 

Rebelles, entre Fargo e Thelma e Louise

Juntas devido à morte acidental do seu patrão, Sandra, Marilyn e Nadine (Cécile De France, Audrey Lamy, Yolande Moreau) descobrem uma grande quantidade de dinheiro roubado no corpo do falecido. As três precisam desesperadamente do dinheiro, ficam com ele e procuram livrar-se do cadáver, enlatando-o numa fábrica de conservas. O problema é que o que podia ter sido um plano perfeito, rapidamente transforma-se num pesadelo, não só porque o dinheiro que roubaram pertence a criminosos, mas porque as latas que contém os restos mortais do chefe são entregues a uma instituição de caridade para distribuição.

 

Ou Nadas ou Afundas, versão comédia social contra a homofobia

Se um dos filmes de maior sucesso em Espanha no ano passado, Campeones, acompanhava um treinador adjunto de basquetebol sentenciado pelo tribunal a treinar uma equipa composta por pessoas com deficiência intelectual, neste Les Crevettes Pailletées vamos encontrar um homem condenado por homofobia a ser obrigado a trabalhar com uma equipa de polo aquático composta por gays que tem de se preparar para os Jogos Gays na Croácia.

http://www.youtube.com/watch?v=uXWwsXwv5_U

Em 2018, França já assistiu a um grupo de homens fragilizados e deprimidos a comporem uma equipa de natação sincronizada (Ou Nadas ou Afundas), sendo esta nova proução mais uma obra de ambições comerciais a colocar-se numa piscina para conquistar audiências. Em maio nos cinemas gauleses.

 

De Paris para os subúrbios problemáticos

Depois de em 2016 ter conquistado o Festival de Alps d’Huez com A Minha Vaca é uma estrela, que acompanhava um humilde agricultor argelino que parte para Paris para participar na Feira de Agricultura, Mohamed Hamidi regressou este ano ao certame com Jusqu’ici Tout Va Bien (lembram-se da frase mítica de La Haine/ O Ódio?), trabalho que lhe valeu o prémio do público.

No filme seguimos Fred Bartel, o chefe carismático de uma badalada agência de comunicação parisiense, a Happy Few. Depois de uma auditoria fiscal, ele é forçado pela administração a transferir a sua empresa para Courneuve, subúrbio complicado (descrito muitas vezes como um Gueto) da região. É aí que Fred e a sua equipa conhecem Samy, um jovem que rapidamente se propõe a ensinar as regras e práticas a adotar nesse novo ambiente.

Filme de costumes e culturas em choque (já A Minha Vaca é uma estrela, o era), estamos perante mais uma comédia social destinada a acabar com ideias preconcebidas, sustentada por dois nomes fortes do cinema francês, Gilles Lelouche (Os Infieis; Que Famílias!) e Mark Bentalla (Taxi 5 e Ursinho Procura-se), e uma atriz em ascensão, (Break – O Poder da Dança).

Para Hamidi, estes conflitos e choques de costumes entre Paris e os seus subúrbios sempre fizeram parte da sua vida: “Os subúrbios são o mundo que conheço melhor. Nasci em Bondy e este é o bairro em que mais tempo vivi desde a minha infância, ou seja, 45 anos! (…) Tenho testemunhado um número incalculável de vezes o confronto desses dois mundos, os desentendimentos culturais e discrepâncias entre a realidade e as preconcepções“.

Lellouche descreve a sua personagem, Fred, como alguém que procura constantemente “mais conforto, mais dinheiro e mais amor. (…) Finalmente, o choque de ambas as culturas lhe permitirá finalmente abrir olhos para outra realidade“. Tal como Lellouche, Bentalha revê-se na sua personagem de Samy, “um miúdo suburbano, introvertido e desajeitado com as mulheres” que percebe que ajudar na instalação dos funcionários da Happy Few em Courneuve “é a oportunidade para ele se revelar tanto a nível profissional como a nível humano: ele encontra um emprego, cria laços de amizade com os colegas da empresa e também permite que alguns dos seus amigos da Courneuve finalmente consigam um emprego.”

 

O Amor e o “e se tudo fosse diferente?”

Hugo Gélin apresentou no certame Mon Inconnue, filme que valeu a François Civil o prémio de Melhor Ator em Alps d’Huez, no qual ele tenta reconquistar a sua esposa, que se tornou uma completa estranha numa “realidade paralela“.

Gélin confessa a mistura da identidade francesa com a sua cultura cinematográfica anglo-saxônica para alcançar uma história universal: “A minha personagem principal é Raphael Ramisse, uma referência ao nome do realizador de O Feitiço do Tempo (Harold Ramis). Mas eu também me inspirei em O Despertar da Mente; Dá Tempo ao Tempo; Her; e Do Céu Caiu uma Estrela, de Frank Capra. Estes filmes têm como denominador comum contar histórias cuja vertente fantástica é muito realista.

 

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