Sexta-feira, 29 Março

Do formigueiro da Marvel para os ecrãs de Marraquexe

Spider-Man: Into the Spider-Verse

Omnipresente nas listas de apostas para o Oscar 2019 com a animação Spider-Man: Into the Spider-Verse, a Marvel deu um jeito de se infiltrar num dos mais estelares festivais de cinema do mundo (na África, vem na linha de frente), o de Marraquexe, representado por uma sessão de Ant-Man and the Wasp (Homem-Formiga e a Vespa), de Peyton Reed. Um de seus secundários, Laurence Fishburne veio ao Marrocos para promover esta sessão do filme. “Cresci a ler BDs e isso faz com que eu veja com muito alegria o sucesso desse formato. Fora que ‘Black Panther’ foi a realização de um sonho para os povos afro-americanos, para os cinéfilos negros em geral”, disse Fishburne ao C7nema. “Não temo que esse subgénero vá fazer com que a situação do cinema mundial estacione em só um género. O Tempo resolve tudo”.

Ant-Man and the Wasp

Fishburne é um cientista de caráter questionável no enredo que veio endossar um autor de enorme êxito na venda de ingressos. Sucessos de público, Yes Man (Sim!, 2008) e The Break-Up (Separados de Fresco, 2006), comédias envernizadas com psicanálise, fizeram do cineasta Peyton Reed um cronista da volta por cima, especializado na reinvenção de indivíduos fraturados. A sua marca autoral, apta a arrancar risos, atraiu a Marvel quando o projeto Ant-Man foi idealizado: era necessário um realizador capaz de equilibrar comédia, fragilidades afetivas, ação e fantasia com eficácia. O teste deu certo: em 2015, Reed levou o Homem-Formiga aos ecrãs, tendo o sempre brilhante Paul Rudd, espécie de Elliott Gould do cinema contemporâneo, no papel do ladrão inventor Scott Lang (inventado nos comics por John Byrne e David Michelinie em 1979, nas páginas de The Avengers nº 181), num filme que custou US$ 130 milhões e faturou US$ 519 milhões. Era um convite a uma franquia, que se confirma agora, em Homem-Formiga e a Vespa, sequência divertidíssima, tão engraçada quanto o original, só que mais requintado na forma.

Um dos achados da finada série televisiva Lost, Evangeline Lilly, trava com Rudd uma equilibrada relação de protagonismo, sob a armadura da Vespa. Cabe a Lang ajudar a moça a resgatar a sua mãe, Janet, a primeira Vespa (Michelle Pfeiffer) do mundo quântico, em duelo contra um gangster digno da comédia slapstick (papel de Walton Goggins) e a super-vilã Ghost (Hannah John-Kamen). A narrativa ágil, de fotografia realista, evoca as séries da Marvel nos anos ‘70, pela ligeireza e pela estética de sitcom.

Sábado, o Festival de Marraquexe chega ao fim, com a entrega de prémios pelo júri chefiado pelo cineasta americano James Gray (Lost City of Z), tendo 14 concorrentes na disputa pela Estrela de Ouro. Um deles, de origem argentina, tem coprodução brasileira e foi fotografado pelo pernambucano Pedro Sotero (Aquarius): o thriller Rojo, a ser exibido na quinta-feira. Até o momento, Diane (EUA), de Kent Jones, é o favorito a láureas, mas sobram elogios também para o austríaco Joy, de Sudabeh Mortezai.    

Roma

Entre tudo já exibido aqui, ROMA, de Alfon Cuarón foi o mais disputado. Porém, o grande filme deste festival do Marrocos é Green Book. Houve uma projeção matinal dele (9h) no charmoso Museu Yves Saint Laurent, onde há uma exposição de fotos da atriz francesa Catherine Deneuve. Ao fim da sessão, muitos jornalistas estrangeiros saíram com os olhos marejados e a voz embargada. Tem algo de Marlon Brando no desempenho do ator Viggo Mortensen (Captain Fantastic). Ele vive um homem rude às voltas com o exorcismo do seu preconceito racial. Pilotado por um cineasta com mestrado em humor pastelão, Peter Farrely, codiretor (com seu irmão Bobby) de There’s Something About Mary (Doidos por Mary, 1998) e Dumb and Dumber (Doidos à Solta, 1994), este road movie de tintas cómicas e chorosas recria uma história real: os quatro meses nos quais o segurança e motorista italo-americano Tony Lips (Viggo, em sublime atuação) trabalhou para o pianista negro Don Shirley (1927-2013), papel dado a um inspiradíssimo Mahershala Ali (Moonlight). Em uma narrativa leve, de conto de fadas, digna dos clássicos de Frank Capra (It’s A Wonderfull Life), Farrelly passa o moralismo norte-americano a ferro e disseca o ódio institucionalizado na sua pátria, narrando a construção de uma amizade, com seus dissabores e as suas alegrias. A sua sessão de gala em Marraquexe, hors-concours (fora de concurso), acontece nesta terça à noite. Vai ter mais litros de choro escorrendo.

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