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Ad Vitam: a série francesa “para a eternidade”

Na TV só se fala nisso. Em todo o mundo celebra-se efusivamente. Setsuko Kashiwara faz 169 anos e é a mulher mais velha do Planeta, um recorde absoluto de longevidade. Mas como é isso possível?

Bem vindos a Ad Vitam, a nova aposta do canal Arte no que toca a séries, um projeto que venceu a SeriesMania, festival dedicado à TV em Lille, e passou pelo Festival de Toronto. Ao todo, estamos perante seis episódios de 50 minutos cada, numa mistura de ficção científica, drama existencial, filme policial, coming-of-age adolescente e até uma road trip aventureira.

O Mundo neste Ad Vitam encontrou a sua fonte da juventude através da regeneração celular. A velhice, em termos de degradação física e mental, é um tema do passado e pela cidade espalham-se locais com o material apropriado para regenerar as células de todos os que assim o queiram, desde que tenham mais de 30 anos e passem nos testes para o efeito. Em particular, o foco desta produção vai seguir Darius (interpretado por Yvan Attal), um polícia de 119 anos que aparenta 50, encarregado de investigar o aparecimento de um grupo de menores mortos à beira-mar, um ato que pode ter origem terrorista e representar um ato político.

A verdade é que se para a maioria da população a regeneração celular é um sonho, já que se contorna a dita “morte natural”, as vidas ainda podem ser ceifadas. Contra essa regeneração está uma célula pró-suicídio, a SAUL (inspirado num profeta do antigo testamento), que já uns anos antes tinha levado avante um “atentado” num estádio onde 23 jovens – recrutados junto de cristãos de Attenberg* – puseram fim à sua própria vida – o primeiro atentado que lançou o movimento de protesto contra a regeneração.

Questões existenciais

Num mundo onde não se envelhece, qual o papel dos jovens? Esse tema fascina Thomas Cailley (na imagem acima), o criador e realizador dos seis episódios, ele que deu nas vistas em 2014 com o seu filme Les Combattants (Os Combatentes) [1], estreado na Quinzena dos Realizadores em Cannes e recompensado com três Césars, incluindo o melhor primeiro filme.

Em Ad Vitam, o cineasta reafirma o seu gosto pela mistura de géneros e continua a refletir sobre o lugar da juventude na nossa sociedade. “A expectativa de vida em França hoje é de 82 anos, bem além do limite biológico que se pensava ser intransponível algumas décadas atrás. Com o meu coautor Sébastien Mounier, estávamos interessados ​​neste prolongamento da vida e às promessas irracionais que o debate desperta, até mesmo nas assustadoras ideias da corrente transumanista, que considera a morte como uma anomalia, uma enfermidade a ser superada … Partimos dessa simples pergunta: e se amanhã houvesse uma solução para repelir a morte, à venda na farmácia, quem recusaria?“, diz Cailley, que orienta então a sua série para a escolha moral que se tem de tomar. “Ainda somos humanos? A vida sem fim faz sentido? A questão que mais nos interessava era a da transmissão: que lugar deveria ser dado às gerações mais jovens num mundo onde não se morre mais? Pode uma civilização sobreviver sem se renovar, sem se transmitir? (…) A configuração de ficção científica como pano de fundo torna a história mais forte e a metáfora mais clara. Permite perguntas mais francas sobre juventude, morte e transmissão entre gerações.

 

Influências e simbolismos

É inevitável não lembrar de Blade Runner (original e 2049) quando vemos as personagens nas cenas noturnas fulminadas por luzes berrantes e neons, com os cor de rosa, vermelhos e azuis a acompanharem a fotografia da obra permanentemente nas cenas de iluminação artificial. Já durante o dia, brilha intensamente o sol, não sendo um mundo cinzento com as obras de Ridley Scott e Dennis Villeneuve. A escolha de filmar Ad Vitam em Benidorm permitiu ter um longo mar pela frente e um intenso deserto pelas costas. Neste mundo futurista não esperem também ver carros a voar ou tecnologia de ponta acima da média, prendendo-se em pequenos detalhes o toque avant garde.

Na sua estrutura policial, poderíamos apontar dezenas de obras, mas há acima de tudo um sentimento, ritmo e atmosfera de uma investigação tão “visceral quanto existencial”, de grande cariz sensorial. A música eletrónica oferecida pelo coletivo parisiense HiTnRuN dá um sentido moderno, extremamente ritmado e casa na perfeição com a direção de fotografia de Yves Cape, conhecido pelo seu trabalho com cineastas como Bruno Dumont (Fora Satanás, Hadewijch) e Leos Carax (Holy Motors), conduzindo assim o projeto a um estatuto de profundamente sensorial, mas definitivamente reflexivo.

Em complemento, podemos dizer que o cinema de Bong Joon-ho e especialmente o seu Memories of a Murder, e um pequeno toque de Sion Sono e o seu Suicide Club, bem como o simbolismo das medusas (regeneradoras) que acompanha toda a obra, são evocações que aqui e ali acrescentam valor, densidade dramática e ambiente.

As personagens

A acompanhar Darius nesta cruzada temos Christa, uma jovem rebelde suicida, também ela à procura de respostas. No papel desta miúda de 24 anos temos Garance Marillier, atriz revelação do bombástico Grave (Raw) [2].

A Christa é uma pessoa muito direta e determinada. Mas também ambígua: nunca sabemos de que lado ela está. Essa ambivalência interessa-me (…) ” O Darius, interpretado por Yvan Attal, irá gradualmente transmitir a Christa o sabor da vida. Essa trajetória, esse renascimento foi muito mais importante para mim do que tentar entender porque ela é, paralelamente, tão atraída pela morte. “, diz Marillier.

Já Attal, na sua primeira série de TV, frisa que “Ad Vitam é atemporal. O conflito do novo com os antigos ocorre em todas as gerações” e que “em qualquer investigação policial, há uma busca pelo significado das coisas”.

No elenco encontramos também Niels Schneider, bem como Ariane Labed, atriz de *Attenberg [3] e A Lagosta [4], aqui num pequeno papel, mas determinante. Outra aparição curiosa é a de Anthony Bajon, vencedor do prémio de melhor ator no Festival de Berlim por Não Deixeis Cair em Tentação [5] (que também teve a cinematografia de Yves Cape). Rod Paradot, Hanna Schygulla, Anne Azoulay são outros nomes no elenco.

Podem ver a série aqui (francês e alemão).