Sexta-feira, 19 Abril

A Cannes do cinema brasileiro: o Festival do Rio vem aí

Embora não tenha uma Palma de Ouro para oferecer às suas atrações estrangeiras, o Festival do Rio fez… e continua a fazer… História no Brasil como uma vitrine do que se faz de ousado, vívido e inquieto no cinema mundial. Apesar da mudança de calendário, tendo deixado a tradicional grande de outubro vaga e atrasando um mês, concentrando a sua programação de 1 e 11 de novembro, o evento chega para lembrar que, quando o assunto é cinema, as terras cariocas ainda são dignas do apelido Cidade Maravilhosa: serão 200 filmes, de 60 países, distribuídos entre 20 ecrãs – incluindo o Reserva Cultural em Niterói.

O circuito junta ainda os dois complexos do Grupo Estação em Botafogo, o NET Gávea e o Odeon, começando pela atração de largada, o thriller de assalto Widows (ver imagem), do inglês Steve McQueen, com Viola Davis. Dele em diante, a maratona cinéfila vai oferecer ao público carioca a chance de deparar, em primeira mão, potenciais concorrentes ao Oscar, como o explosivo BlacKkKlansman, que marca o regresso de Spike Lee; Leave No Trace, de Debra Granik; If Beale Street Could Talk, de Barry Jenkins, o realizador de Moonlight (2016); e Pájaros de Verano, de Cristina Gallego e Ciro Guerra, ensaio metafísico sobre o tráfico de drogas na Colômbia.

Tem ainda uma competição brasileira. Eis os concorrentes:

 

Ficção

“A sombra do pai, de Gabriela Amaral Almeida (SP)

“A Terra Negra dos Kawa”, de Sérgio Andrade (AM)

“Azougue Nazaré”, de Tiago Melo (PE)

“Chuva é cantoria na aldeia dos mortos”, de João Salaviza e Renée Nader Messora (MG)

“Deslembro”, de Flavia Castro (RJ)

“Domingo”, de Clara Linhart e Fellipe Barbosa (RJ)

“Morto não fala”, de Dennison Ramalho (RS)

“Nóis por nóis”, de Aly Muritiba e Jandir Santin (PR)

“Tinta bruta”, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher (RS)

 

Documentário

“Clementina”, de Ana Rieper (RJ)

“Eleições”, de Ana Riff (SP)

“Gilda Brasileiro – Contra o esquecimento”, de Roberto Manhães Reis e Viola Scheuerer (ES)

“Meu nome é Daniel”, de Daniel Gonçalves (RJ)

“Relatos do front”, de Renato Martins (RJ)

“Torre das Donzelas”, de Susanna Lira (RJ)

 

Eis os nossos destaques para o evento:

Sueño Florianópolis, de Ana Katz: Sem forçar nenhum alarde, esta coprodução Brasil/Argentina/França vem ganhando espaço significativo nas grandes mostras de cinema da Europa, tendo brilhado nos festivais de San Sebastián, Londres e Karlovy Vary, na República Checa, onde venceu o Grande Prémio do Júri. Gustavo Garzón e Mercedes Morán são um casal hispano-americano que visitam Santa Catarina com os filhos sonhando rever boas recordações de anos passados, mas surpreendem-se com as mudanças locais. O seu tom de comédia romântica é cativante;

This is Us, de Dan Fogelman: O criador da série This is us, um fenómeno global, tem feito as plateias estrangeiras chorarem com este delicado folhetim sobre os efeitos que o fim do casamento entre um guionista (Oscar Isaacs) e uma pesquisadora de teoria dramática (Olivia Wilde) pode ter sobre diferentes pessoas – seja parentes, seja desconhecidos. Antonio Banderas vive uma das pessoas afetadas por esse trágico fim de amor: na pele de um produtor de azeite, o ator espanhol chega ao apogeu de seu talento;

Vision, de Naomi Kawase: Queridinha da crítica europeia desde a conquista do Grande Prémio do Júri de Cannes, com The Mourning Forest (A Floresta dos Lamentos, 2007), a mais popular realizadora japonesa começou a carreira em 1992, alternando narrativas filosóficas quase fabulistas com enredos sobre reconstruções afetivas. Começou a trabalhar na linha da sutileza. Agora, ela aborda o amor de maneira mais escancarada neste filme com Juliette Binoche. A atriz vive Jeanne, uma pesquisadora e ensaísta que viaja por matas nipônicas à caça de uma planta medicinal rara, que brota de 900 em 900 anos. O seu guia (Masatoshi Nagase) muda a sua forma de ver o querer, evocando uma paixão que Jeanne experimentou na mocidade, fora da França;

 

THF: Aeroporto Central, de Karim Aïnouz: Laureado na Berlinale com o Prémio da Amnistia Internacional, o novo documentário do realizador de Madame Satã (2002) acompanha a vida de sírios, afegãos e iraquianos que adotaram hangares abandonados do aeroporto Tempelhof como lar. O local foi um marco da aviação no III Reich, sob o jugo nazi, e serviu como um símbolo da reconstrução de Berlim no fim dos anos 1940. Fora de operação para pousos e decolagens, hoje serve como instância de inclusão;

Vírus tropical, de Santiago Caicedo: Virtuosismo técnico e contundência dramática se casam em harmonia neste desenho animado latino. Temos aqui um balanço geracional à moda colombiana do estreante Santiago Caicedo, com o suporte dos animadores David Restrepo, Manuel D’Macedo, Carolina Gómez e Felipe Sanin. O seu argumento e o seu visual são baseados na BD homónima (autobiográfica) da cartoonista Powerpaola, sobre uma menina que cresce em Quito, no Equador, em meio de caos afetivo depois do seu pai, um pastor, ter abandonado a família;

 

Correndo atrás, de Jeferson De: Aplaudidíssimo nos EUA, durante a sua passagem no New York African Film Festival, esta comédia do realizador de Bróder (2010) aposta no carisma (farto) de Ailton Graça na pele de um batalhador profissional que vislumbra uma chance de mudar de vida treinando um “craque” de futebol. O desafio é encontrar um Neymar para chamar de seu;

Cano Serrado, de Erik de Castro: Inspirado na figura do xerife vivido pelo Brian Dennehy em Rambo: First Blood (1982), o realizador de Federal (2010) transforma Rubens Caribé num sargento sedento de vingança, que joga o senso de heroísmo clássico por terra. Na região sem lei e sem alma onde Sebastião é figura de ordem, onde herói é quem atira primeiro e mais certeiro. Fernando Eiras, Paulo Miklos, Jonathan Haagensen e Milhem Cortaz também estão no elenco deste thriller de ação;

La Chute De L’empire Américain, de Denys Arcand: Cerca de 32 anos após a estreia de Le Déclin De L’empire Américain (O declínio do império americano), cerca de 15 anos após a consagração mundial de Les Invasions Barbares (As Invasões Bárbaras), o historiador e cineasta canadiano retoma as personagens dos seus dois sucessos de público e crítica para radiografar as falências morais do quotidiano. A saga de um camionista que se apropria ilegalmente de dinheiro alheio deflagra um carrossel de perseguições policiais e reflexões;

Carvana, de Lulu Corrêa: Irreverência costumava ser a palavra precisa para definir Hugo Carvana de Hollanda – fosse como ator, como cineasta, como adepto do Fluminense, como cronista da vida boêmia ou como pessoa – até ele cometer a deselegância de deixar este mundo, em 2014, sem pedir licença ao nosso afeto. Aí, para se referir a ele, é preciso falar em “saudade”. Não é por acaso, portanto, que irreverência e saudade se misturam no comovente documentário batizado com o sobrenome do astro, dirigido pela sua fiel assistente;

Don’t Worry, He Won’t Get Far on Foot, de Gus Van Sant: O aclamado realizador de Elephant (2003) está há quase dez anos distante das narrativas experimentais que lhe garantiram a Palma de Ouro de Cannes, fazendo dele um renovador de linguagem. A fase atual tangencia o melodrama. O seu novo trabalho, nomeado ao Urso de Ouro de Berlim, recria a trajetória de John Callahan (1951-2010), alcoólico que, após ficar paraplégico em um acidente de trânsito, torna-se num cartoonista classe AA no panorama mundial da BD. Joaquin Phoenix brilha no papel de Callahan;

Le Prière, de Cédric Kahn: Com apenas três anos de carreira, o jovem Anthony Bajon ganhou o prémio de Melhor Ator em Berlim pelo papel de um dependente químico que encontra uma bifurcação redentora para escolher seguir: de um lado, as benesses do Senhor; do outro, os prazeres da carne. É o trabalho mais recente do astro de L’économie Du Couple (2016) como realizador. Lembra Les Quatre Cents Coups (Os Quatrocentos Golpes, 1959), de François Truffaut;

Girl, de Lukas Dhont: Laureado com quatro prémios em Cannes, entre eles o de Primeira Longa-Metragem, este drama belga sobre a afirmação de identidade de género é encarado como um potencial concorrente ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Victor Polster vive uma bailarina trans às voltas com o preconceito;

 

Hal, de Amy Scott: Montadora de formação, com uma prolífica trajetória na edição de curtas e longas, Amy se lança na direção documentando o percurso profissional de William Hal Ashby (1929-1988), realizador de marcos dos anos 1970 como Harold and Maude (Ensina-me a Viver, 1971) e Coming Home (O Regresso dos Heróis, 1978). Sua estética pautada pela delicadeza influenciou uma série de diretores mais jovens, entre eles Steven Spielberg, fã declarado de Ashby;

Touch Me Not, de Adina Pintilie: O vencedor do Urso de Ouro da Berlinale. É parte ficção, parte documentário, parte expressão corporal, parte psicanálise. A inglesa Laura Benson é a sua personagem central: os seus dilemas pessoais convidam a uma investigação sobre os modos mais variados de se obter o prazer, seja na presença de prostitutos, seja em diálogos com sexólogos ou terapeutas sexuais. Ela apresenta-se em cena como cineasta, mas quem filma as suas pesquisas de campo é a própria Adina, por detrás das câmaras;

Happy Hour – Verdades e Consequências, de Eduardo Albergaria: Coprodução entre o Brasil e a Argentina, esta ciranda de reviravoltas amorosas põe o galã de Buenos Aires Pablo Echarri (de Plata Quemada) como um professor de Letras numa Urca em época de eleição. Letícia Sabatella vive a mulher do educador: uma política assolada pela notícia de que o marido quer “abrir” a relação. A realização do estreante Albergaria esbanja segurança e poesia, amplificada pela fotografia de Marcelo Camorino (Nueve Reinas);

La Reina Del Miedo, de Valeria Bertuccelli e Fabiana Tiscornia: Às vésperas de completar 50 anos, uma das atrizes mais populares da Argentina, Valeria Bertuccelli (Lluvia: Chuva), estreia na realização com um drama sobre o surto de uma estrela às vésperas de subir aos palcos com um monólogo. O filme lhe rendeu, assim como à sua corealizadora, o Prémio Especial do Júri do Festival de Sundance.

Notícias