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«Soplo de Vida»: citando o noir em “niegro” de Bogotá

Luis Ospina pode muito bem ser referenciado como um denunciador de uma realidade ocultada, a divulgação de uma pobreza extrema na Colômbia, captada para o grande ecrã, o qual atravessou o Globo, conquistando assim os mais impares cinéfilos. A sua forte conotação politica sempre o colocou debaixo de muitos olhares, da admiração e até ao desdém, tudo orientado para o tornar num dos mais importantes cineastas da América Latina, hoje uma voz esquecida, mas sem com isso negada essa relevância. Os documentários da precaridade e de contexto social, as “reportagens” disfarçadas de ensaios cinematográficos, são tidos como as suas marcas autorais, porém, não só a realidade imprimida fez parte do seu currículo. A ficção também está no cardápio, neste caso duas fitas que realçaram, acima de tudo, a sua fervorosa cinefilia.

Se em ’82 concretizou um exercício de terror que misturava vampiros com a habitual crítica à sociedade colombiana com Pura Sangre, foi em ’99 que se despediu por fim desta visão ficcional. E fê-lo sem o saber em antemão, com uma homenagem ao seu género predileto, o noir. Tal como o próprio afirma com tamanha convicção, o cinema de género sempre lhe deu o prazer e dentro desse leque – diversas vezes restringido a prazeres pecaminosos por parte de muitos cinéfilos -, Ospina decide aprofundar os seus conhecimentos quanto ao universo do chamado “filme negro”. Citando o incontornável cinema norte-americano, os franceses e porque não os exemplares mexicanos, Soplo de Vida é fortalecido como uma revisão dos códigos dos mesmos, mas evitando por completo o formato de best hits.

Invocando à memória os célebres antepassados de Hollywood, damos por nós transportados para uma Bogotá suada e suja, embelezada pelas cores quentes que nos remetem automaticamente aos trópicos ao invés das cidades frias, enovoadas e contrastadas com as pálida pele dos seus artistas na indústria que tão bem conhecemos. A voz-off está lá, como “manda a sapatilha”, a narração por parte de uma policia renegado, agora convertido em investigador privado de gabardine “Melvilleano“, Emerson Roque Friero (como gosta de ser chamado), pronto a recontar o seu Caso. Colocamos em maiúscula para enfatizar o signo detectivesco, o Caso é a essência da medula de qualquer investigador do noir. Singular e ao mesmo tempo pluralizado e homogéneo, este, com toda a previsibilidade, envolve uma mulher (quiçá, duas).

Por entre flashbacks, dentro de mais flashbacks (a separação entre as camadas temporais distingue-se pela sua fotografia), Soplo de Vida percorre todos os lugares-comuns do subgénero; as femme fatales (Flora Martinez), as identidades trocadas, a corrupção e politicas à mistura, a amargura melancolizada, as juras de amor ditas em cenários criminosos e a água ardente (aqui a substituir o eterno whisky com gelo). Mesmo sob o efeito de contraste, Luis Ospina mimetiza os códigos, fazendo questão de relembrar ao espectador que o que está a ver não foge da mera reciclagem. “Os mortos são todos iguais”, assim é afirmado na morgue perante as vitimas da violência mundana, citação que encontra cumplicidade num outro desabafo: “os homens são todos iguais, não existem nem bons, nem maus, apenas homens”. Possivelmente, poderíamos terminar por aqui colocando um ponto final na equação, é um mero exercício, não de estilo, mas de memória cinéfila e Ospina passou o teste, confundindo-se com o protagonista, caracterizado como “um homem de princípios (…) e de fins”, de ideias e de resoluções.

Crimes passionais e a ambiguidade costumeira, dois elementos (que não chegamos a mencionar acima para o bem do suspense) que se entrelaçam com um humor algo caricatural e brejeiro, retalhado pelas lembranças e transformados em idiossincrasias para qualquer freguês jubilar (o universo queer colombiano atado a um curioso olhar “Almodovariano”). Por fim, as doses claras de inserção social, um prisma imundo dos necessitados e dos incapacidades (mais uma vez fere em contraste com o formalismo americanizado). É a marca de Ospina a pesar neste cenário onde ninguém sai ileso, até mesmo o “punchline”” confiante ousa em ferir os mais “novatos” com alusões sexualizadas:  “sempre me privei dos investigadores privados” .

Soplo de Vida não esconde os seus baixos recursos e a tendência de “desenrasque” da sua produção. O realizador afirmara que os seus filmes são “baratos” e que a liberdade tem um preço baixo a pagar. Infelizmente, mesmo sob o rótulo de pechincha, esta série B foi um fracasso no box-office, forçando um desinteresse de Ospina na ficção e regressando ao que tão bem soube fazer até então, mostrar a Colômbia desconhecida e proibida. Diremos que, com o auxilio do Génesis, esta sua derradeira e segunda ficção, resolve-se como um “faz-de-conta” a entidades divinas, cujo sopro atribui vida a uma moldado pedaço de barro. Por outras palavras, tudo não passa de uma experiência.

Nós paranoicos, sofremos o dobro