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“Não Deixeis Cair Em Tentação”: a oração e fé na luta contra a dependência

Exibido dia 7 de outubro, 21h30, nos cinemas UCI

Com o Urso de Prata de melhor ator entregue ao jovem Anthony Bajon, La Prière (Não Deixeis Cair Em Tentação) chega agora a Portugal na Festa do Cinema Francês, estreando posteriormente comercialmente pelas mãos da Outsider.

Procurei um miúdo com muita presença, intensidade, violência, mas também uma forma de franqueza, e uma forte ligação com a infância. (…) . Um ator capaz de viver no vazio da história. Tantas qualidades para um jovem ator. Para mim, o Anthony tinha tudo isso”, diz o realizador Cédric Kahn, o qual construiu um filme que conta a história de um jovem, Thomas (Bajon), viciado em drogas. Para acabar com essa dependência, o rapaz vai participar numa comunidade de ex-dependentes que vivem isolados nas montanhas e usam a oração como uma das forma de cura. Embora relutante, Thomas aos poucos aceita submeter-se a uma vida espartana na disciplina, na abstinência, no trabalho árduo e nas orações frequentes. Ele descobre a fé, mas também o amor e um novo tipo de tormento…

Segundo o cineasta, o projeto nasceu após três reuniões decisivas. “Em primeiro lugar, com Aude Walker, uma jovem escritora, que me colocou no caminho do assunto (…). Depois Fanny Burdino e Samuel Doux, o duo de argumentistas, que assumiram a responsabilidade de escrever o guião, o que, em alguns aspetos, significou muitos desafios para mim; e, finalmente, a Sylvie Pialat, produtora, que imediatamente juntou-se ao projeto e à ideia de fazer tudo isto sem atores conhecidos, no espírito dos meus primeiros filmes.

O argumento …

Kahn nunca tinha trabalhado antes com Fanny Burdino e Samuel Doux, assumindo que o seu papel no filme foi “decisivo“: “Primeiramente tentei escrever o guião, mas sem sucesso. Não sou crente, nem cristão, nem ex-viciado, então tive que encontrar a minha porta de entrada para o assunto. Reunimos tudo: a leitura dos salmos, documentação, encontros com jovens que experimentaram esse tipo de experiência. (…) O Samuel foi ao encontro de jovens em plena experiência, observou os seus rituais e as suas disciplinas na vida, reunindo os seus testemunhos. A escrita tomou forma a partir desse momento. E desde o início tomamos algumas decisões fortes, como focalizar a história na trajetória de um só jovem de quem não saberíamos nada e que se tornaria na história o símbolo de todos os outros, uma figura emblemática. Que o filme começaria com a sua chegada e terminaria com a sua partida. O antes e o depois seria uma história fora de campo. E de criar este lugar isolado, no meio da montanha, dedicado à oração, com suas próprias regras e seu próprio tempo, fora das contingências do mundo.

O recuperar dos laços afectivos

Kahn não tem dúvidas. O verdadeiro tema do seu filme está na reconstrução das relações e ligações sociais: “ São indivíduos que chegam em absoluta solidão e grande sofrimento emocional. O que eles aprendem além da oração são as regras, a partilha, a vida em comunidade. E é isso que provavelmente os salva. A amizade é um dos três preceitos da comunidade, declarados assim que chegam, como o trabalho e a oração. E o que é ainda mais surpreendente neste contexto é que os jovens vêm de todas as esferas da vida e de todos os tipos de países. Eu queria no filme, encontrar essa mistura dos círculos sociais e de várias nacionalidades, de filhos de boas famílias ou de meninos de rua, tanto os espanhóis como os americanos … Todos unidos por provações e orações.

 

A música…

“Canto e depoimentos são os pilares da terapia”, diz o cineasta, o qual menciona que os rapazes não têm direito a nenhuma distração.  “Na casa, os meninos cantam a toda a hora, na capela, depois da refeição, na lareira … Eles não têm direito a nenhuma distração: sem música, sem TV, sem jornais. A mente nunca deve ficar ociosa para evitar pensar nas drogas. Fora do trabalho, eles rezam e cantam …

 

Kahn, a religião e a fé

Definindo-se como agnóstico, o realizador mostra respeito nos que são crentes e, de certa forma, até admite os invejar. “A fé é um assunto íntimo que, em muitos aspetos, vai muito além do reino da religião. Se você pensar sobre isso, é tudo sobre fé na vida, amor, paixão, compromisso. Por exemplo, acredito na mística do cinema.

Essa sua forma de ser e estar na vida, levou a que tomasse a decisão de nada no filme ser imposto ao espectador: “Ele tem a possibilidade de forjar a sua própria convicção, mesmo na cena milagrosa. Eu queria que tudo fosse racional … E essas imagens criam essa subjetividade, essa ilusão. As canções na capela, os passos na montanha, o eco no nevoeiro: com os meios do cinema, achei que se podia sentir a presença do invisível ...”