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“É uma aberração”, diz Jacques Audiard sobre a falta de realizadoras em Veneza


Jacques Audiard © La Biennale di Venezia – foto ASAC

Nesta 75ª edição do Festival de Veneza, dos 21 filmes selecionados para a competição ao Leão de Ouro, apenas um (The Nightingale) é assinado por uma mulher: Jennifer Kent. Fora de competição repete-se o padrão. Em dez cineasta, apenas uma mulher: Valeria Bruni Tedeschi e o seu Les Estivants.

Feitas as contas, o cineasta francês Jacques Audiard apresentou em Veneza o seu novo filme, The Brothers Sisters, e aproveitou a conferência de imprensa para criticar a organização dos festivais pela ausência de mulheres à sua frente e para o número muito limitado de diretoras nos certames internacionais todos os anos: “Os festivais têm sexo? Sim, há 25 anos que os meus filmes andam em festivais e passei pelo  Este, Oeste, Sul, Norte e não vejo mulheres. (…) O outro problema é que em 25 anos vi muitas vezes as mesmas cabeças, os mesmos rostos, os mesmos homens em posições diferentes (…) Entendemos os truques do sistema (…) Isso é um problema estrutural, mas podemos falar sobre os comités de seleção, os criadores, há opacidade, não sabemos quem escolhe [os filmes]. Precisamos mudar (…) Vamos parar de questionar sobre ‘o sexo dos filmes’, perguntar sobre coisas simples, coisas com as quais podemos contar. Faço questão que haja igualdade e justiça: a igualdade pode ser quantificada, a justiça é aplicada, é muito simples. Assim, vamos ser sérios, e talvez evitemos aberrações como esta de 20 contra 1″.

 

The Sisters Brothers

Em The Sisters Brothers (Os Irmãos Sisters), uma adaptação do romance de Patrick deWitt, Jacques Audiard acompanha os irmãos Eli e Charlie, que são contratados para matar um homem em 1851, no Oregon. Descrito como um “western noir”, este projeto marca a estreia a filmar em inglês do realizador e conta no elenco com Jake Gyllenhaal, Joaquin Phoenix, Riz Ahmed e John C. Reilly. Segundo o Screen Daily, as audiências deram uma ovação de cinco minutos ao filme na sua apresentação no certame.

Foi, aliás, Reilly que convenceu Audiard a filmar o projeto: A ideia do projeto não é minha, mas do John C. Reilly e da Alison Dickey, a sua esposa produtora. Conhecemos-nos em 2012 no Festival de Toronto, onde Ferrugem e Osso foi exibido. Pediram-me para ler o romance de Patrick De Witt, do qual detinham os direitos. Li e fiquei empolgado. Na época, nem pensei nisso, mas foi a primeira vez que me ofereceram um projeto cujo tema eu gostava. Até então, sempre trabalhei com uma ideia que tinha, com um romance que tinha lido … em suma, a iniciativa sempre veio de mim.

Filmar um Western

Ao contrário do que se possa pensar, Audiard nunca teve um desejo muito eloquente de filmar um Western. O próprio admite que “nunca teve uma relação académica com o género“. Prova disso são os filmes que mais lhe interessam: “se não os do “declínio”, pelo menos são os pós-modernos: por exemplo, os filmes de Arthur Penn, O Pequeno Grande Homem (1970) e Duelo no Missouri (1976). Nos mais clássicos, passa-se a mesma coisa, sou bastante atraído por obras que contêm a crítica a alguma coisa  (…) Rio Bravo (1959), O Homem Que Matou Liberty Valance (1962) e O Grande Combate (1964). Dramaticamente, o western é muito linear, sem suspense, épico. Nos meus trabalhos, acho que até agora fui atraído a histórias mais tensas, cenários mais eficazes“.

Em Sisters Brothers, Audiard define os temas familiares de filiação e fraternidade como o que mais o seduziu: “Esses temas estão presentes de qualquer forma, eles são parte dos motivos comuns dos westerns: o legado da violência dos ancestrais, como controlar isso … Nós nunca estamos muito longe do Homem Que Matou Liberty Valance (…) O que distingue o Sisters Brothers é que a mitologia resume-se a conversas entre os dois irmãos.“, sem qualquer pretensão de ser uma reflexão do género. “Quando você se envolve num filme de qualquer tipo, pensa no seu projeto com base no que vive, nas imagens que vê, nos livros que lê e nas conversas que tem. Todos dias fazemos reflexões. Tudo isso entra em jogo para determinar o que tornará o projeto mais relevante que outro. Onde é que, no grande sistema de criação de imagens, o filme vai estar? Não é uma questão de assunto. Nós nunca dizemos: “ah este é um bom assunto! Nós questionamos porque é que é um bom assunto …”

O que é hoje um Western?


The Sisters Brothers © La Biennale di Venezia – foto ASAC

De forma simples, podem ser distinguidas duas tendências. Por um lado, o neo-clássico – Appaloosa (2008), Open Range – A Céu Aberto (2003) – filmes que têm uma política de reativar uma mitologia, com alguma reverência aos arquétipos, às paisagens etc. E, por outro, a abordagem de um Tarantino: com ironia, ultra-violência, aplicação dos códigos de violência contemporâneos no oeste. Nós fomos por uma terceira via, parece-me: “o oeste acalmou“.